A criança fica constantemente irritada, tem reações explosivas, um comportamento desafiador, impulsivo e, às vezes, apresenta até certa agressividade. Essa descrição, embora talvez chame a atenção de quem não tem filhos e não lida com os pequenos no dia a dia, pode se aplicar a qualquer indivíduo na idade infantil. Quem, afinal, nunca presenciou a clássica cena da birra no chão do supermercado ou se viu, como adulto cuidador, sendo alvo de tapas e mordidas de um pequeno em fúria?
Situações como essas são complicadas, mas acontecem. Testar os limites e aprender a controlar as emoções faz parte do desenvolvimento – e bem sabemos que quando envolve cansaço, sono e fome o cenário tende a piorar bastante. Mas será que existe um limite para as chamadas “birras” que as diferencie de um transtorno do comportamento?
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Estamos falando aqui do Transtorno Opositivo-Desafiador, mais conhecido por sua sigla, TOD. Apesar de ter sido descrita há anos, foi apenas recentemente que a condição passou a circular como informação no senso comum. “Embora os estudos remontem à década de 1960, a popularização recente do assunto na mídia pode ser atribuída a uma maior conscientização sobre saúde mental infantil, aos avanços em pesquisa e diagnóstico, bem como a uma crescente preocupação com o bem-estar emocional das crianças e adolescentes”, comenta Letícia de Jesus Coelho, médica especialista em psiquiatria geral e infantil. “O aumento das taxas de diagnóstico e o destaque dado pela mídia também contribuem para a visibilidade do transtorno”, acrescenta.
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O que é o TOD?
“Um padrão de humor raivoso/irritável, de comportamento questionador/desafiante ou índole vingativa com duração de pelo menos seis meses” – assim é definido o Transtorno Opositivo-Desafiador pelo DSM-5 (sigla para Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais em inglês, da Associação Americana de Psiquiatria), publicado em 2013.
Letícia explica: “é um transtorno do comportamento caracterizado por um padrão persistente de desobediência, hostilidade e desafio em relação às figuras de autoridade”. Por não ser tão conhecido, embora esteja mais difundido atualmente, acaba sendo confundido muitas vezes com a “birra”, mas ele tem um aspecto geral mais regular e severo. Não se trata apenas da criança que se recusa a tomar banho ou que chora e bate os pezinhos na hora de ir embora da casa dos avós; as atitudes desafiadoras são mais intensas e frequentes, causando prejuízos na vida familiar, social e escolar do pequeno, levando até mesmo a problemas de aprendizado.
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Segundo a psiquiatra, o TOD se manifesta na infância, “tipicamente entre os 6 e 8 anos de idade, mas pode persistir na adolescência e até mesmo na idade adulta”, esclarece, sendo que seus primeiros sinais podem aparecer ainda mais cedo. Entretanto, em razão do desconhecimento por grande parte da sociedade e da falta de acesso a serviços de saúde mental, o diagnóstico pode demorar ou até mesmo não acontecer.
Por enquanto, as causas exatas desse transtorno não são totalmente conhecidas, mas acredita-se que envolvam uma combinação de fatores genéticos, neurobiológicos, ambientais e familiares.
Como é feito o diagnóstico
Se você começou a ler sobre o assunto e imediatamente concluiu que seu filho se encaixa no transtorno, calma. É preciso ter cautela e buscar pessoas habilitadas e capacitadas para avaliar seu pequeno. “O diagnóstico do TOD geralmente é feito por profissionais de saúde mental, como psiquiatras infantis e psicólogos clínicos. Chega-se a ele através de uma avaliação clínica detalhada, incluindo observação do comportamento da criança e entrevistas com pais e/ou cuidadores”, conta Letícia.
É por meio do histórico relatado ao especialista, com informações sobre os episódios desafiadores, sua duração e frequência, além das circunstâncias associadas, que ele vai ser capaz de avaliar a situação. Portanto, caso haja a desconfiança de que a criança apresenta o Transtorno Opositivo-Desafiador, o primeiro passo é buscar indicação de profissionais que possam avaliá- com atenção e cuidado.
Além disso, é importante destacar que o TOD pode estar associado a outros transtornos que não se excluem mutuamente. A especialista em psiquiatria infantil cita como exemplos o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Conduta, o Transtorno de Ansiedade e o Depressivo. “Isso ocorre porque muitos desses transtornos compartilham características sintomáticas e fatores de risco comuns”, explica.
Principais características do Transtorno Opositivo-Desafiador
Entre os comportamentos que se destacam em crianças e adolescentes com TOD, destacam-se:
- irritabilidade persistente, com explosões intensas e frequentes de raiva;
- desafio às regras, como combinados familiares e normas da escola;
- questionamento das autoridades, como pais e professores;
- argumentação frequente com adultos, demonstrando muita teimosia ;
- recusa em seguir instruções, desafiando aquilo que é proposto;
- comportamento vingativo e rancoroso, sobretudo em relação aos adultos;
- impulsividade, agindo sem pensar nas consequências;
- intenção deliberada de contrariar e satisfação ao observar a reação negativa causada no outro;
- costume de culpar os outros por seus próprios erros.
Alguns critérios associados a esses traços também são importantes, como persistência e frequência, duração e severidade. Além disso, avalia-se se o comportamento opositivo-desafiador está trazendo consequências negativas à vida da criança e se ele acontece em qualquer contexto ou em situações específicas (por exemplo, apenas na escola ou certos momentos familiares).
Mais uma vez, é importante ressaltar que não basta ler e dar ok em todos os critérios e características para diagnosticar o pequeno, até porque muitos deles aparecem durante a infância, sem que o transtorno esteja presente. O diagnóstico precisa ser feito por um profissional, que vai estabelecer um plano de tratamento.
quais Impactos que o TOD pode causar na vida da criança
A pessoa que apresenta o Transtorno Opositivo-Desafiador pode sofrer durante a infância e, se não for tratada, é provável que as questões se estendam para a vida adulta. “O TOD pode prejudicar a criança no dia a dia ao causar dificuldades nos relacionamentos familiares, problemas na escola e dificuldades de socialização”, relata Letícia. Não raro, pequenos com essa condição acabam sendo excluídos da convivência em diversos círculos por serem considerados pessoas difíceis, o que gera problemas de autoestima, confiança, entre outros.
Além disso, o TOD pode afetar a família com um todo, já que lidar com o comportamento desafiador não é simples. O cansaço de pais e cuidadores muitas vezes vem acompanhado pelos olhares de julgamento de pessoas de fora, pelo sentimento de impotência, insuficiência e por frustrações recorrentes. Se ele não for diagnosticado, a situação se torna ainda pior, uma vez que não se entende o que está por trás daquele comportamento da criança e se busca formas simples para tentar resolver uma questão que é complexa e demanda ajuda profissional – às vezes, inclusive, medicamentosa.
Segundo Letícia, conforme cresce, o indivíduo com TOD se torna um adulto com maior risco de ter depressão e de fazer uso abusivo de substâncias, sobretudo quando o quadro na infância é associado a outros transtornos, como o TDAH. Se não for tratado, também há o risco de que a situação se agrave até que se desenvolva um transtorno de conduta, que é um quadro mais grave. Nesse caso, o adulto pode até mesmo ter problemas legais devido ao comportamento desafiador e impulsivo, já que não mede as consequências de seus atos.
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TOD tem cura?
Assim como outras condições, o Transtorno Opositivo-Desafiador não tem cura, mas pode ser tratado, proporcionando à criança e à família nuclear maior qualidade de vida, mitigando consequências presentes e futuras. “Embora possa ser gerenciado com sucesso, não há uma ‘cura’ definitiva, mas estratégias para gerenciar os sintomas”, pondera a psiquiatra, que acrescenta: “Geralmente, o tratamento envolve uma abordagem multimodal que inclui terapia comportamental, terapia familiar e, em alguns casos, medicação. Ele é contínuo e adaptado às necessidades individuais da criança”. Entre os medicamentos utilizados para o tratamento do TOD estão estabilizadores de humor e antipsicóticos.
Como explicou Letícia, o tratamento não se restringe à criança – é essencial que pais e cuidadores saibam como lidar da melhor forma com os desafios impostos pelo transtorno. Paralelamente a isso, também importa o trabalho na escola. É essencial que os profissionais pedagógicos tenham ciência do diagnóstico e que recebam informações sobre o TOD, com as devidas orientações. Para tanto, a troca e o diálogo aberto entre família e colégio são fundamentais.
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