Dar a notícia da morte de uma pessoa próxima é uma das tarefas mais difíceis que se pode ter na vida. Contar a uma criança, então, pode ser ainda mais desafiador. O que dizer, de que forma falar, como oferecer apoio… São tantas dúvidas que um momento que já é sensível se torna ainda mais delicado, afinal, além de ver o pequeno sofrer, muitas vezes é preciso lidar com a própria dor. “Geralmente, os adultos envolvidos com a criança também estão vivenciando o próprio luto, e isso pode tornar o processo mais difícil e doloroso”, lembra Maíra Mello Silva, psicóloga especialista em Neuropsicologia e em Saúde da Família e Comunidade.

Segundo a profissional, embora não haja uma cartilha a ser seguida para dar a notícia, o ideal é não tentar fugir da verdade. “Não há manuais nem regras para esse momento, mas, no geral, sugerimos que o adulto tenha uma conversa verdadeira e acolhedora com a criança sobre o que de fato aconteceu”, orienta. “Sabemos que as perdas fazem parte da vida e que as crianças não estão isentas, mas, culturalmente, temos o desejo de protegê-las. Além disso, na maioria das vezes, a temática da morte não faz parte da educação e, quando acontece, além de não sabermos o que fazer, ainda tentamos poupá-las escondendo os fatos”, acrescenta Maíra.

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Foto: Canva

A questão é que os pequenos são ótimos observadores e captam rapidamente que algo não vai bem – mas, com informações fragmentadas, podem interpretar do seu jeito e chegar a conclusões equivocadas, o que é capaz de levar a um resultado ainda mais difícil. O ideal, portanto, é ter clareza e explicar sobre o não retorno, essencial para o enfrentamento da dor e para a elaboração do luto. “Claro que a nossa linguagem será diferente de acordo com a faixa etária, mas essa conversa, mesmo que muito difícil, é necessária”, reforça a psicóloga.

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Posso dizer à criança que alguém “virou estrelinha”?

Sim, mas com cuidado. Maíra explica que, embora expressões como “virou estrelinha” possam não ser prejudiciais (desde que a criança entenda que o retorno da pessoa que morreu  é impossível), outras como “foi fazer uma longa viagem” e “entrou em sono profundo” devem ser evitadas, pois podem passar a ideia equivocada de que existe a possibilidade de volta.

Já o que falar a respeito do que acontece depois da morte cabe a cada família, de acordo com suas crenças e visões de mundo. Dizer que um ente querido foi morar com Deus, viver ao lado de um avô já falecido, que retornou à natureza… Não importa em que cada um acredite e passe para os filhos, o que vale, de fato, é deixar clara a questão da finitude. 

“É importante ressaltar que cada família lida com a morte de uma forma e isso envolve a história de vida de cada uma, seus valores, crenças, religião, entre outros. Então, a forma de dialogar será diferente em cada contexto, mas mais importante do que ter todas as respostas é construir um espaço de amor e acolhimento com a criança e permitir que ela expresse seus sentimentos, mesmo que envolvam raiva e revolta”, aconselha a psicóloga.

A compreensão da morte na infância

Embora alguns pesquisadores relacionem o entendimento da morte diretamente à idade dos pequenos, Maíra lembra que essa questão pode variar. “A compreensão do conceito de morte evolui junto com o desenvolvimento cognitivo da criança, mas deve-se levar em conta o repertório de cada uma, bem como a história de vida e o contexto em que está inserida”, destaca.

luto na infância
Foto: Canva

Segundo a psicóloga, geralmente até os dois anos, a morte é percebida como ausência. “Há a falta do ente querido, mas sem a compreensão do que está se passando. Nessa fase, como a linguagem verbal ainda não está totalmente desenvolvida, é difícil a criança conseguir expressar o que está sentindo”, explica Maíra, que continua: “Já a fase dos três aos cinco anos é repleta de fantasias e, portanto, a criança pode ter pensamentos de que, se ela fizer algo, o ente querido pode retornar” – aqui, é especialmente importante explicar sobre o não retorno, citado acima. 

“A partir dos seis anos, a criança passa a ter uma noção temporal melhor e começa a entender que a pessoa não voltará. Por volta dos nove anos, ela já tem a noção bem próxima a de um adulto, entendendo todo o conceito”, acrescenta.

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O que esperar do luto infantil

Não há regras e cada indivíduo, independente de sua idade, pode reagir de um jeito diferente. E aqui, é fundamental que os pais compreendam as particularidades de cada criança. Maíra explica que, no caso dos pequenos, pode acontecer uma “demora” para apresentar tristeza por imaginar que a pessoa apenas se ausentou e vai retornar.

Conforme o tempo passa e isso não acontece, é possível que ela apresente alterações de comportamento e, se estiver na fase das fantasias, crie teorias para os motivos do desaparecimento, inclusive se culpando. “É um momento em que o adulto precisa estar atento, pois se houver muita alteração de comportamento, como isolamento e autopunição, é importante procurar um profissional”, orienta.

Além disso, dependendo da idade, as habilidades de comunicação podem não estar totalmente desenvolvidas, então é importante observar o comportamento do pequeno a fim de ver se há mudanças significativas. “Essas alterações são com relação ao próprio padrão da criança, ou seja, se ela se alimentava bem e passa a não se alimentar, se dormia bem e começa a ter alterações de sono, se era pouco irritada e agora tende a se desregular com tudo, se  era mais exploradora e agitada e assume uma postura mais passiva, enfim… Qualquer alteração significativa de comportamento indica um grau de sofrimento”, alerta Maíra.

Ainda sobre esse assunto, a profissional lembra dos cinco estágios do luto definidos pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross: negação, raiva, barganha (necessidade de alterar o destino através de promessas e alternativas para reverter a perda), tristeza e aceitação. “Nem todas as pessoas passarão por eles da mesma forma, em tempo, intensidade e sequência, mas eu gosto bastante desse modelo, pois auxilia na nossa compreensão do luto e [na identificação de] qual fase a criança pode estar. Compreender esse processo abre espaço para os sentimentos mais difíceis e oportuniza a elaboração do luto mais saudável”, considera.

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Como dar apoio à criança

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Foto: Canva

Como em tantos momentos da vida, estar emocionalmente disponível é um importante apoio para esse processo doloroso – o que inclui se vulnerabilizar e não ter todas as respostas, mas construir com o pequeno formas de lidar com a situação. “Tem um texto do “Manifesto da parentalidade do amor incondicional” escrito por Brené Brown e traduzido pela psicóloga Ana Beatriz Chamati que fala ‘Juntos vamos chorar e enfrentar o medo e a tristeza. Eu vou querer tirar a sua dor, mas, em vez disso, vou sentar com você e ensiná-lo a sentir essa dor’”, cita Maíra, ao lembrar que o adulto não deve demonstrar desespero na frente da criança, mas que externalizar a própria tristeza também faz parte dessa construção.

“Acredito que temos dificuldades para lidar com as emoções que geram desconforto, e a tristeza é uma delas. Mas faz parte da nossa existência e negá-la não nos ajuda a enfrentá-la. A morte também faz parte e não há como escapar, mas se tivermos com quem contar nesse caminho, fica mais possível e tolerável”, reforça a psicóloga. Ela destaca ainda a importância de oferecer um espaço seguro de trocas e de acolher as dores e as incertezas, além de resolver questões práticas que, em algumas ocasiões, ajudam a diminuir a ansiedade dos pequenos (por exemplo, quem vai ficar responsável pelas tarefas que aquele ente querido fazia).

É possível, porém, que os cuidadores próximos se vejam com dificuldades para enfrentar esse momento, ou até mesmo que estejam tão fragilizados a ponto de não conseguirem apoiar a criança da forma que ela precisa – nesse caso, é interessante buscar ajuda profissional. “O luto é um processo individual, mas se estiver se prolongando muito e dificultando o retorno às atividades, é importante buscar um suporte”, orienta Maíra, destacando novamente a questão dos padrões comportamentais e emocionais do pequeno: se houver alterações significativas, também vale buscar um psicólogo infantil.

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Quando algum familiar está doente, vale ir “preparando” a criança?

Para Maíra, sim, “até porque a criança começa a ter perdas antes mesmo da morte em si, pois um familiar muito doente, principalmente se for o cuidador principal, começará a não estar presente em alguns momentos de cuidado, às vezes apresentando ainda alterações na aparência e no manejo (como estar mais cansado, triste, sem paciência)”.

Certamente, não é o caso de assustar ou ter um tom alarmista, mas de explicar aos poucos – e de acordo com o nível de entendimento de cada criança – que adoecer faz parte da vida e que algumas situações são mais graves que outras, podendo levar o corpo a não funcionar mais.

“Eu acredito que o comportamento de afastar as crianças do processo de adoecimento de um familiar esteja mais relacionado às dificuldades dos adultos em lidarem com as situações. Contudo, permitir que a criança participe desse processo, levando em consideração sua faixa etária, é muito importante e facilita o processo do luto. Mais uma vez, é importante ressaltar que tirar a criança desses momentos não evitará a perda e a dor”, aconselha a psicóloga.

A literatura como recurso para elaborar as emoções

Luto infantil como ajudar a crianca a lidar com a morte e os encerramentos. Imagem do livro Quando as coisas desacontecem
Imagem do livro “Quando as coisas desacontecem“, de Alessandra Roscoe e Odilon Moraes, já enviado pelo Clube Quindim. Crédito: Rodrigo Frazão

Como em diversas situações, os livros podem ser ótimos companheiros nessa jornada de entendimento sobre o ciclo da vida, gerando identificação dos pequenos com a narrativa e seus personagens e, em um segundo momento, estimulando a conversa e a expressão de seus sentimentos.

“Apesar de geralmente não prepararmos as crianças para a temática da morte, o ideal seria conversar antes de passar pelo luto. Elas estão expostas a isso em desenhos, filmes, livros, amigos… Aproveitar esses momentos para uma conversa leve e natural é muito importante para uma futura perda”, considera Maíra, lembrando que isso envolve tanto perda de pessoas e bichinhos de estimação quanto mudanças que geram estresse e necessidade de adaptações (transferência de escola ou de cidade, separação dos pais e outras).

Entre os livros que abordam a morte e o luto como temas centrais, Quando as coisas desacontecem, Tartaruga e Desesquecida são destaques já enviados aos assinantes do Quindim em meses anteriores e tratam do assunto com muita sensibilidade, ajudando a estruturar nos pequenos noções sobre perdas, sentimentos difíceis, memórias, ressignificação e continuidade.

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Estante Quindim

Conheça 3 livros infantis que ajudam a conversar sobre luto com as crianças:

81mRmvzg6pL. AC UF350350 QL50
Tartaruga, de Ángela Cuartas e Dipacho
81vEwdD477L. AC UF10001000 QL80
Quando as coisas desacontecem, de Alessandra Roscoe e Odilon Moraes
Desesquecida (escritora Suria Scapin, ilustradora Lumina Pirilampus, editora Lufada)
Desesquecida, de Suria Scapin e Lumina Pirilampus