Pode ser o sapatinho de cristal, a fada-madrinha que realiza sonhos com o toque da varinha de condão ou até mesmo a abóbora que vira carruagem enquanto os ratinhos se transformam em lindos cavalos. Os motivos que levam Cinderela a continuar fascinando crianças depois de tantos anos são muitos, mas, assim como aconteceu com outros contos infantis famosos, essa narrativa também se transformou bastante ao longo da história.

Neste artigo, vamos falar sobre alguns dos primeiros e mais importantes registros do conto, além, é claro, das versões dos Irmãos Grimm e da Disney, que sem dúvida contribuíram significativamente para que essa seja uma das princesas mais adoradas de todos os tempos.

Contos infantis e suas muitas versoes Cinderela 1
Crédito: Disney (reprodução)

Atenção: o artigo trata de temas sensíveis como violência e mutilação.

Cinderela: a princesa mais amada é também uma das mais antigas

Ainda que o desenho da Disney tenha sido lançado em 1950, o que por si só já é bem impressionante, a provável origem de Cinderela remonta a tempos ainda mais antigos: histórias gregas transmitidas oralmente por volta do ano 1 d.C.; uma história chinesa, escrita por volta do ano 860; o conto de 1634 do italiano Giambattista Basile, chamado A Gata Borralheira, que por sua vez deu origem à versão de Charles Perrault em 1697, e, por fim,  ao conto dos Irmãos Grimm, em 1812.

Com relatos tão antigos assim, especialmente aqueles numa época em que boa parte das histórias eram passadas adiante apenas no boca a boca, é difícil bater o martelo e garantir qual foi a primeira versão deste que é um dos contos de fadas mais conhecidos de todos os tempos. Isso, no entanto, não nos impede de abordar algumas das versões mais conhecidas.

A Cinderela do conto chinês

Na versão chinesa da história, o líder de uma pequena comunidade, um homem chamado Wu, tem duas esposas. Com uma delas ele tem uma filha chamada Ye Xian, que além de belíssima é muito gentil, doce e generosa, e possui habilidades diversas. Já com a outra esposa ele tem uma filha chamada Jun-Li, cuja beleza não se destaca e ainda por cima tem uma personalidade cruel e egoísta.

Jun-Li e sua mãe sentem inveja da atenção e afeto recebidos por Ye Xian. A mãe da menina morre e o pai, Wu, faz o possível para criá-la sozinho, mas infelizmente vem a falecer logo depois quando uma praga atinge a comunidade local.

Com isso, um novo chefe assume a liderança e, sem ninguém para protegê-la, Ye Xian se vê forçada a assumir uma posição de servidão, vindo a trabalhar para a madrasta e a irmã que não gostam nem um pouco dela.

Os dias são repletos de muito trabalho doméstico e abusos, tanto por parte da madrasta quanto da meia-irmã Jun-Li, mas Ye Xian ainda encontra energia para fazer amizade com um pequeno peixe dourado que vive em um lago perto de sua casa. O que ela não sabe é que esse peixe, na verdade, é um espírito guardião enviado por sua mãe.

Jun-Li segue Ye Xian ao lago um dia e fica com raiva por ver a irmã feliz com o peixe apesar de todas as maldades que sofre. Ela conta tudo para a mãe, que engana a menina, captura o peixe e o serve para si mesma e para a filha como parte do jantar. Ye Xian, é claro, fica devastada, mas um espírito ancestral dá a ela instruções para enterrar os ossos do peixe em potes sob os pés de sua cama e garante que tudo o que ela desejar será realizado se ela conversar com os ossos.

Uma vez por ano a comunidade celebra o ano novo, ocasião em que as jovens conhecem seus futuros noivos e maridos. Para não ameaçar a candidatura de sua própria filha a um “bom partido”, Jin, a madrasta, deixa Ye Xian trancada em casa. A menina, no entanto, lembra da orientação do espírito ancestral e conversa com os ossos do peixe, e depois é magicamente transformada em uma bela jovem, com uma roupa lindíssima e pequenos sapatos dourados.

Ye Xian vai ao festival a pé, onde conquista os olhares de todos, especialmente dos jovens rapazes que pensam se tratar de uma princesa. Quando sua meia-irmã a reconhece, a Ye Xian foge, deixando para trás um dos sapatinhos dourados.

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O sapatinho é encontrado por um comerciante local, e isso dá início a uma longa cadeia de trocas até chegar às mãos do rei. Impressionado com o tamanho e a delicadeza do sapato, ele instaura uma busca por sua dona, com quem decide se casar. A palavra corre muitas distâncias, e todas as jovens decidem experimentar o sapatinho na esperança de casar com o rei, mas em nenhuma delas o calçado serve.

O rei, então, decide deixá-lo em exposição. No fim do dia, ao anoitecer, Ye Xian vai até onde o sapato está em exposição para calçá-lo, mas devido aos seus trajes simples é logo confundida com uma ladra. Levada até o rei, conta toda sua história, inclusive tudo sobre o peixe dourado e seus ossos mágicos. Conquista sua liberdade e volta para casa com o sapato.

No dia seguinte, o rei vai até ela e pede que volte consigo para o castelo. Nesse momento, a jovem está com os dois sapatos dourados e as lindas vestes que usou no dia do baile. A madrasta e a meia-irmã, no entanto, não se conformam que ela tenha tais itens, visto que para elas não passa de uma serva. Elas acusam Ye Xian de ter roubado as roupas de Jun-Li, mas o rei não acredita e vai embora com ela.

Assim, madrasta e meia-irmã estão condenadas a viver uma com a outra. Quando a mãe passa a forçar a filha a fazer todo o trabalho pesado que antes era executado por Ye Xian, Jun-li se revolta. As duas acabam caindo em uma caverna e morrem soterradas.

Existem dois finais alternativos para essa história. No primeiro, madrasta e filha se tornam deusas depois de morrerem soterradas, e possuem o poder de garantir desejos a qualquer pessoa.

Depois do casamento com Ye Xian, o rei se tornou ambicioso, abusando dos poderes dos ossos do peixe dourado e fazendo que o poder se esgotasse. Assim, a menina, agora rainha, enterra os ossos com uma grande quantidade de ouro. Algum tempo depois, diante de uma grande revolta do povo, o rei tenta desenterrar os ossos e distribuir o ouro aos soldados rebelados, mas o tesouro havia sido levado pela maré. Não se sabe ao certo o que teria acontecido ao rei depois disso.

No segundo final alternativo, o rei traz a madrasta e a meia-irmã de Ye Xian para viver no palácio junto deles. No entanto, elas devem atender a todas as vontades dos dois, bem como a dos filhos que eles vierem a ter. Assim, Jin e Jun-Li passam a viver na mesma servidão em que mantiveram Ye Xian durante tanto tempo.

A Cinderela de Giambattista Basile

Já em meados de 1634, foi publicado o conto “La Gatta Cenerentola”, ou “A Gata Borralheira”, de Giambattista Basile. O contexto é praticamente o mesmo da história como a conhecemos hoje, com uma diferença relevante: a menina, que se chama Zezolla, é instigada pela governanta da casa a matar a madrasta má.

Um dia, ao ver a madrasta se abaixando para pegar roupas em um baú, Zezolla fecha a tampa com toda a força, matando a madrasta. Zezolla achava, então, que estaria finalmente livre dos tormentos que passou nas mãos da madrasta, mas não contava que a governanta se casaria com seu pai e repetiria as mesmas crueldades.

Depois de algum tempo e de muitas maldades, as fadas ajudam a menina a se casar com um rei e enfim viver em paz.

A versão de Charles Perrault

Esta é uma das versões mais conhecidas da Cinderela. O conto, publicado em 1697 pelo escritor Charles Perrault, definitivamente influenciou a abordagem que a Disney deu à animação de 1950, que também mostra a linda e encantadora menina que perdeu a mãe ainda muito jovem e viu o pai se casar novamente com uma mulher terrível.

A madrasta, que na frente do pai fingia gostar muito da menina, tratava-a com indiferença, desprezo e, por vezes, crueldade, bem diferente do tratamento que destinava às suas duas filhas. Bastou o pai de Cinderela morrer para que ela assumisse definitivamente o desapreço pela menina, se apossando de todos os bens do falecido marido e transformando a garota em sua empregada. Para ter o mínimo para comer, Cinderela precisava trabalhar o dia todo, sem trégua, ao mesmo tempo em que sofria as injúrias da madrasta e das irmãs.

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Um dia, chegou o anúncio de que o rei daria um grande baile no castelo para que seu filho, o príncipe, encontrasse uma jovem com quem pudesse se casar. A madrasta providenciou belos vestidos para suas filhas, mas não permitiu que a jovem Cinderela as acompanhasse, justificando a decisão pelos trajes simples que vestia, que envergonhariam a família.

Cinderela, então, fez um vestido de retalhos com ajuda dos animais que eram seus amigos. O vestido, ainda que simples, era muito bonito, e deixou a menina ainda mais bela. A madrasta, vendo que mesmo com vestes improvisadas a menina ainda era a mais bela das três jovens, rasgou suas roupas e a proibiu de ir ao baile.

Cinderela foi para seu quarto, que ficava isolado no sótão, e durante muito tempo, chorou, se lamentou e pediu aos céus para que suas preces fossem atendidas. De repente, sua fada-madrinha apareceu e, usando sua varinha mágica, transformou os trapos num belo vestido, uma abóbora em carruagem e os ratos em lindos cavalos. Além do belo vestido, a menina ganhou sapatinhos de cristal, e recebeu a orientação de que voltasse antes da meia-noite, hora em que o feitiço chegaria ao fim e todos a veriam como ela realmente era.

No baile, Cinderela era a mais bela, e naturalmente o príncipe só tinha olhos para ela no mesmo segundo em que a viu. Estava tão elegante que sua madrasta e meias-irmãs não a reconheceram e, com isso, pode dançar e se divertir a noite toda sem preocupações. Quando o relógio soou doze badaladas, Cinderela saiu correndo para não ser desmascarada, deixando para trás um dos seus sapatinhos de cristal.

O príncipe buscou por todos os lugares a dona do calçado e do seu coração, mas só encontrava pés grandes demais e gordos demais. Quando chegou à casa de Cinderela, suas irmãs correram para colocar o sapato, mas seus pés eram enormes e feios.

Mesmo contrariando a madrasta, a jovem Cinderela conseguiu se apresentar ao príncipe e teve a oportunidade de calçar o sapatinho que, naturalmente, ficou perfeito em seu pequeno e delicado pé.

Depois disso, tirou do avental sujo e empoeirado o outro pé do sapato, calçando os dois. Ao perceber que aquela era a moça que conquistou seu coração, o príncipe a beijou e a pediu em casamento. Os dois ficaram juntos e viveram felizes para sempre.

A versão dos Irmãos Grimm

Como de costume, os Irmãos Grimm trazem uma versão mais sombria e cruel para os seus contos, e com a Cinderela não seria diferente. Publicada em 1812, essa história traz como uma das principais diferenças o fato de que as meias-irmãs de Cinderela não são feias e desajeitadas, mas belas e formosas, como ela, porém de péssimo caráter.

As duas exploram a menina ao limite, e fazem que ela se deite ao lado da lareira quando chega a noite e é hora de dormir, pois não tem uma cama onde descansar. Assim, por estar sempre suja de fuligem e cinzas, a menina é apelidada de Cinderela – em inglês, a palavra cinzas se escreve “cinder”.

Um dia, o pai de Cinderela vai viajar e pergunta o que as meninas querem que lhes traga de presente no retorno. As irmãs pedem belos vestidos e joias, mas Cinderela quer apenas o primeiro galho que tocar o chapéu do pai quando estiver cavalgando de volta.

Quando o pai retorna com um galho de avelã, Cinderela vai até o túmulo de sua mãe. Ela planta o galho e chora tanto que suas lágrimas encharcam o solo, fazendo brotar e crescer uma linda árvore. A menina ia até lá três vezes por dia, chorando e rezando. Um pequeno pássaro branco aparecia por ali e sempre que a menina fazia um pedido a ave, ele era realizado.

Quando o rei anuncia o baile, Cinderela implora que a madrasta a deixe ir. A mulher malvada diz a ela que se puder pegar todas as ervilhas que caíram nas cinzas, poderá ir ao baile. A jovem então convoca todas as pombas, rolinhas e outras aves do céu para que ajudem a recolher as ervilhas boas, colocando-as em um prato, e jogando fora ou comendo as ruins.

Cinderela vence o desafio e apresenta à sua madrasta um prato cheio de ervilhas boas, mas mesmo assim ouve que não poderá ir ao baile por não ter roupas adequadas. A menina pede, implora, e a madrasta repete o desafio, dessa vez com lentilhas.

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O mesmo se repete: Cinderela consegue recolher todos os grãos, mas é impedida de ir ao baile. Quando a madrasta se vai com as duas irmãs, Cinderela corre até o túmulo de sua mãe e clama: “Árvore pequenina, balance seus galhos sobre mim, que a prata e o ouro venham me cobrir.”.

O pássaro branco joga um vestido de ouro e prata sobre a jovem, e calçados de prata e seda. Ela se apressa e segue para o baile, onde conquistou imediatamente a atenção do príncipe que não quis dançar com mais ninguém naquela noite.

Ao final do baile, o príncipe queria levá-la até sua casa, mas a jovem fugiu e se escondeu num pombal. O jovem esperou pelo pai de Cinderela, que destruiu o pombal mas não encontrou ninguém. Eles foram juntos até a casa, onde estava Cinderela cheia coberta de trapos e cinzas.

No dia seguinte, com o segundo dia de baile, tudo se repetiu. Desde o feitiço com os pássaros, até a noite dançante, e a fuga no final da festa. O mesmo quase aconteceu no terceiro dia de baile, mas o príncipe havia bolado um plano: ele espalhou piche na escadaria do palácio, e o sapatinho esquerdo ficou colado em um dos degraus.

Com o sapato em mãos, no dia seguinte o príncipe foi até a casa de Cinderela para encontrar a moça por quem havia se apaixonado. Uma das irmãs quis experimentar o calçado, mas ao perceber que seu pé era grande demais a madrasta lhe ofereceu uma faca e disse que cortasse os dedos fora.

O plano pareceu dar certo, visto que a irmã conseguiu calçar o sapato e foi, repleta de dor, no cavalo do príncipe rumo ao castelo. Mas ao passar pela árvore onde a mãe de Cinderela estava enterrada, dois pombos clamaram e o príncipe viu o sangue jorrar do pé da jovem errada.

Ele retorna à casa de Cinderela e o mesmo se repete com a outra irmã, que corta o calcanhar para que seu pé caiba no sapato. Ao passar pelo pé de avelã, novamente os pombos clamam e o príncipe percebe que foi enganado de novo.

Ele questiona o pai de Cinderela, que não acredita que ela é a noiva que o príncipe procura. Mas os dois retornam para casa e a jovem, finalmente, calça seu sapatinho mostrando ao príncipe que era ela quem ele procurava desde o começo.

Para desespero da madrasta e das irmãs, Cinderela se muda para o palácio e se casa com o príncipe. Durante a festa, elas que acreditavam que ainda poderiam se beneficiar de alguma maneira, foram atacadas pelos pombos que protegiam a menina. Tiveram seus olhos bicados, arrancados e engolidos, sendo condenadas a viver o resto da vida cegas, como punição por suas maldades e mentiras.

A Cinderela da Disney

A versão da Disney, lançada em 1950, é um misto do que vemos no conto de Charles Perrault com o conto dos Irmãos Grimm. É possível ver a interação de Cinderela com os animais, que a ajudam em todas as suas necessidades e tentam protegê-la das maldades da madrasta e das irmãs, mas há também a presença da fada-madrinha, que é quem garante o lindo vestido e os inesquecíveis sapatinhos de cristal da jovem.

No mais, o encontro com o príncipe, a confusão com as irmãs que insistem em calçar o sapato que não lhes serve e a raiva da madrasta por ver seus planos frustrados são os mesmos.

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Crédito: Disney (reprodução)

Além da animação lançada em 1950, a Disney fez duas continuações: a primeira, em 2002, que mostra como a fada-madrinha realiza pedidos de outras personagens da história, e a segunda, em 2007, que mostra o que aconteceu depois do final da história.

Em 2015, o live-action trouxe Lily James no papel de Cinderela e Helena Bonham Carter como sua fada-madrinha.

Outras versões de Cinderela que vale a pena conhecer

Como você pode ver, Cinderela é uma história universal, que já recebeu incontáveis menções em filmes, livros, séries, peças de teatro e canções ao redor do mundo ao longo dos anos. Como sugestão, vamos indicar a seguir alguns títulos que você pode procurar assistir para conhecer outras representações dessa que é, provavelmente, a mais famosa das princesas.

  • O Cinderelo Trapalhão, de 1979, com Renato Aragão e os Trapalhões;
  • Lua de Cristal, de 1990, estrelado por Xuxa e Sérgio Mallandro;
  • Uma linda mulher, com Julia Roberts e Richard Gere no longa-metragem que arrebatou o mundo;
  • Cinderella, de 1997, com Whitney Houston no papel da fada-madrinha;
  • Ever After, de 1998, que no Brasil recebeu o título Para sempre Cinderela e traz Drew Barrymore no papel principal;
  • A Cinderella Story, de 2004, com Hillary Duff no papel principal da donzela que perde o telefone celular em vez do sapatinho de cristal;
  • Once Upon a Time, série de televisão lançada em 2011 que abordou o amplo universo dos contos de fadas de maneira muito interessante ao longo de sete temporadas.

Também vale citar uma “participação especial” da personagem no longa de animação Shrek 2, de 2004, que surpreendentemente traz a fada-madrinha como vilã da história.

Ainda que as primeiras versões permaneçam encantando crianças geração após geração, é muito interessante ver como as princesas em geral, em especial a Cinderela, estão se transformando, ficando mais audaciosas e donas de si. Podemos usar lindos vestidos e sapatinhos de cristal, ou calça jeans e tênis: a nossa vida e o nosso futuro pertence a nós.