Por quase duas décadas, as editoras infantis chegavam aos leitores sobretudo por meio de programas de Governo. O Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), por exemplo, comprava livros em grandes tiragens para as escolas públicas e contava com curadoria especializada para escolha dos títulos. Com a extinção do Programa em 2015, o mercado de livros infantis se viu em crise. Como continuar entregando livros de qualidade ao pequeno leitor? Sem grande poder financeiro e meios de investir no mercado, surgiram diversas editoras e coletivos independentes motivadas a criar novos modelos de publicação que não mais dependessem de programas governamentais e/ou investidores.
O Clube Quindim já entregou diversos livros publicados por editoras independentes. Entre elas, a Edições Barbatanas, do editor Paulo Verano, que respondeu esta entrevista sobre o tema.
Eduarda Berteli – Paulo, qual sua trajetória até a criação da Edições Barbatana e como chegou ao trabalho com os livros infantis?
Paulo Verano – Eu me formei em Editoração em 1993 e desde então sempre trabalhei como editor. Trabalhei na Edusp (1992-1993), na Prêmio Editorial (1994-1998), na Publifolha (1998-2002), na Planeta DeAgostini e na Disal Editora (2003-2005) e como consultor editorial na FTD (2012-2013) e na Abril Educação (2013). Tive duas experiências maiores com gestão editorial: como diretor editorial na Barsa Planeta (2006-2011) e como gerente editorial de LIJ e Paradidáticos na Ática Scipione (2014-2015). Desde o ano passado, leciono no curso de graduação em Editoração da ECA-USP, onde ministro as disciplinas “Mercado Editoral”, “Livro Infantil e Juvenil”, “Livros Escolares” e “Políticas Públicas de Leitura”. Também dou aulas no curso de MBA em Publishing da Casa Educação e no curso de pós-graduação em Produção Editorial da FAPCOM.
Meu contato mais direto com os livros infantis começou como autor, ou coautor, no livro Adoro listas!, que lancei com três amigos em 2014 pela editora Nova Fronteira. E sobretudo no período em que estive na Ática Scipione, quando fui o editor de autores como Ana Maria Machado, Mary e Eliardo França, Ricardo Azevedo, Ilan Brenman, Fernanda Lopes de Almeida, Cristina Porto, Ivan Jaf e tantos outros nomes gigantes dessas editoras tradicionais. Com minha equipe, reformulamos a coleção Vaga-Lume e demos nova feição ao hoje clássico Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus.
Esse período à frente da área de LIJ da Ática Scipione foi muito importante para a definição do que viria a ser a Edições Barbatana, editora independente que criei com Angela Mendes no fim de 2015. Sobretudo pensando em chaves diferentes das de um grande grupo.
EB – Nos últimos tempos, o mercado editorial tem passado por diversas mudanças. A partir de 2015, os livros infantis passaram a sofrer maior impacto por conta da suspensão dos programas governamentais. Como as editoras infantis independentes se posicionaram e tem se posicionado diante desse cenário?
PV – Minha saída da Ática Scipione data desse momento, e não é coincidência que a nossa editora também tenha surgido nesse momento. Enquanto as grandes editoras entenderam, salvo exceções, que não era o momento de investir, editoras menores como a nossa pensaram o oposto: que era a hora de fazermos projetos cada vez mais autorais e, até, mais radicais.
Posso falar pela Barbatana: a gente pensa em fazer bons livros, com invenção gráfica e pesquisa editorial. A gente quer resgatar a antiga relação de confiança entre autor/ilustrador e editor. A gente quer criar sem amarras, primeiro, e depois ver quais as estratégias para cada livro.
Nascemos já sem as benesses governamentais, então tivemos que buscar outros caminhos. Passo a passo. Penso que o que agrupa as editoras independentes ou menores é um apreço radical pelo fazer, de modo bem-feito, de se articular coletivamente, de se orgulhar de fazer todas as etapas do processo editorial.
EB – O fechamento de grandes redes de livrarias e os novos meios de comunicação influenciam na relação das editoras infantis independentes com os leitores?
PV – No nosso caso, o declínio das grandes redes não nos atrapalhou, porque não comercializávamos com elas. Sempre preferimos vender em livrarias menores, ou mais afinadas com o tipo de livro que fazemos. Ou a venda direta. E também sempre viemos participando de feiras de publicações independentes, que é onde achamos estar a verdadeira inovação.
EB – Editoras independentes têm se juntado para promover e fortalecer suas publicações em eventos e feiras. Qual o lugar da literatura infantil nos coletivos?
PV – A gente participa do Coletivo ALICE (Amigos do Livro Infantil Coletivo de Editoras) com as editoras Gato Leitor, Jujuba, Livros da Matriz, Memória Visual, Olho de Vidro, Ôzé, Passarinho, Piu, Pólen, Projeto, Pulo do Gato, Quatro Cantos e Solisluna. São 14 editoras, provenientes de 6 estados, que têm pequeno porte e publicam livros de alta qualidade. Essas editoras estão costumeiramente entre as que ganham prêmios de LIJ, estão em clubes de livro e têm em comum o desejo de chegar a novos espaços de modo colaborativo.
Fazemos várias feiras juntos, não nos vemos como concorrentes e achamos que esse é um bom modo de agir hoje.
Alguns de nós também fazemos parte de outro coletivo, a Coesão Independente, e também alguns de nós estão na LIBRE ou na CBL. Acredito, pessoalmente, que o momento é de grandes reuniões em prol do livro.
EB – Sabendo da importância das relações afetivas para a formação de leitores, qual a contribuição das editoras infantis para esse desenvolvimento?
PV – As editoras que publicam livros para crianças, ou ao menos as que têm perfis similares a essas que comentei, mantêm essa relação afetiva com o livro em toda a sua etapa de produção, do contato preliminar com o autor até o momento em que o livro chega aos pequenos leitores. Penso que essa preocupação direta com o fazer nos diferencia. Temos menos barreiras com relação a temas, mais espaço de abertura para a invenção editorial e gráfica. Muitos de nós nos ocupamos diretamente de esforços de formação de leitores. E, principalmente, seguimos com nosso trabalho independente de o livro infantil estar ou não nos radares governamentais. A gente vai seguir fazendo bons livros, e pronto.
EB – Por fim, podemos pensar no fortalecimento das editoras independentes como fator favorável para o futuro do mercado editorial?
PV – Não tenho dúvidas quanto a isso. A bibliodiversidade tem parentesco direto com a democracia. É nessa pluralidade, nesse diálogo plural, que mora a liberdade. E não tem outro lugar melhor para o livro infantil que a liberdade. As editoras independentes estão desde sempre em situação desconfortável. Mas também detêm o controle sobre sua produção, sabem o que vão publicar e o que não vão publicar e o porquê. Penso que essa autonomia, associada a um coletivismo e a uma disposição de arriscar caminhos novos, pode ser muito benéfica ao futuro do mercado editorial.
Já foi assim em outros momentos do mercado editorial e também é assim em outras iniciativas criativas. O futuro melhor sempre nasce da reinvenção das práticas, com liberdade.
Conheça outras editoras independentes e coletivos que tiveram seus livros selecionados pelo Clube Quindim:
Edições Barbatana
Fundada no final de 2015 pelo editor Paulo Verano e pela designer Angela Mendes, a Edições Barbatana possui como linha editorial a pesquisa e a experimentação gráfica. Publica textos de ficção e de não ficção para crianças e para adultos, tanto de autores e ilustradores conhecidos, como de jovens artistas até então inéditos ou pouco publicados. A editora já ganhou reconhecimento com o selo Altamente Recomendável da FNLIJ e fez parte do catálogo da Feira do Livro Infantil de Bolonha em 2017.
Editora Abacatte
A Abacatte é uma editora que publica livros infantis em português e em espanhol de autores consagrados e estreantes. Busca diversidade de temas, cores, formas, traços e estilos, prezando pela qualidade dos textos, ilustrações e apresentação gráfica.
Editora Jujuba
Fundada em 2010 por Daniela Padilha, a Jujuba publica livros de Literatura para iniciar crianças no universo literário, mas também que incentivam leitores de todas as idades. Especializada em literatura infantil, publicou mais de 40 títulos, tendo em seu catálogo importantes e premiados autores brasileiros, como Claudio Fragata, Fernando Vilela, Odilon Moraes, Raquel Matsushita, Renato Moriconi e Stela Barbieri.
Editora Pulo do Gato
A editora Pulo do Gato foi criada em 2011 com o intuito de promover a leitura de obras literárias para crianças, a formação de leitores e de formadores de leitores, prezando pela qualidade estética e literária. Além de livros infantis, ela publica livros teóricos com a temática de formação de leitores, atuando, então, nessas duas frentes. Os seus sócios, Márcia Leite e Leonardo Chianca, possuem ampla experiência no mercado editorial e são autores e tradutores de livros infantis.
Editora Piu
Desde 2016, a editora Piu se dedica às publicações infantojuvenis. O intuito da Editora é lançar obras de qualidade que explorem a imaginação do leitor. É uma editora jovem de pequeno porte, com apenas 7 livros publicados, mas que já ganharam o reconhecimento do mercado, como o selo altamente recomendável da FNLIJ.
Coletivo Jacaré na Porta
O coletivo Jacaré na Porta foi criado em 2017 a partir de uma oficina ministrada por Claudio Fragata. O grupo é formado por músicos, ilustradores, compositores e designers e é dedicado exclusivamente ao estudo e à criação de Literatura Infantil e Juvenil. Em 2019, lançaram o livro O Grande Pato, uma experiência diferente executada com financiamento coletivo. A obra foi distribuída com exclusividade aos assinantes do Clube Quindim no mês de maio.
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