Quantas vezes você já se notou distraído no trabalho, no trânsito, no meio de um filme ou de um livro por ter tido a atenção desviada pelo celular? Uma notificação que chega, uma mensagem que precisa ser enviada, uma rápida busca para esclarecer alguma questão e… pronto. O que era para durar um minuto se transforma em uma hora num piscar de olhos! E assim, sem a gente perceber, a concentração na atividade anterior já foi comprometida.
Se isso acontece com adultos que não são nativos digitais – ou seja, que tiveram uma vida prévia e ainda se lembram de como era o mundo antes dos smartphones –, imagine qual é o tamanho do impacto que essa hiperconexão tem no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Mais do que isso: qual é o impacto que ela tem no ambiente escolar, um espaço que deveria ser de atenção, troca, convivência, treinamento de habilidades, relacionamento com o diferente, ludicidade, brincadeira, entre tantas outras atividades e capacidades que pressupõem presença real, não virtual? Essa reflexão tem levantado debates importantes e, cada vez mais, impulsionado gestores e governos para medidas assertivas.
Veja também: Os perigos do uso de tablets, celulares e telas por crianças
Enquanto países como Holanda, Suíça, Espanha, Dinamarca, França, Itália e México já adotaram restrições ao uso do celular na educação básica, no Brasil, um projeto de lei que caminha no mesmo sentido está sendo discutido no Congresso Nacional.
Em São Paulo, outro projeto de lei que proíbe o uso do aparelho em escolas públicas e privadas do estado foi aprovado pela Assembleia Legislativa em novembro de 2024 e segue para sanção do governador. Caso aconteça, as novas regras devem valer a partir do próximo ano letivo.
Essas medidas vêm na esteira dessas outras nações e de escolas e municípios que, por aqui, já adotam as próprias medidas restritivas. Para dar uma ideia do contexto atual, a pesquisa TIC Educação 2023 do Comitê Gestor da Internet no Brasil ouviu 3 mil gestores das redes pública e privada e revelou que 28% dos colégios entrevistados proíbem completamente o celular, enquanto 60% estabelecem regras específicas para o uso, sendo que as restrições são mais frequentes até o Ensino Fundamental II.
Aprendizado e desenvolvimento prejudicados
Apesar de a tendência se mostrar forte e justificada pelos inúmeros estudos e pesquisas que apontam reiteradamente para os malefícios da conexão à internet ao desenvolvimento de crianças e jovens, medidas como essas geram polêmica – e não apenas entre adolescentes. Não são poucos os pais ou responsáveis que se colocam contra as políticas restritivas, seja por não acreditarem em uma vida apartada das tecnologias, seja por priorizarem a possibilidade de ter contato direto com os filhos.
“Considero que a resistência à proibição de celulares nas escolas pode estar relacionada a uma visão de que a tecnologia é parte essencial da vida moderna, e proibi-la pode ser visto como uma medida drástica, inadequada ou até mesmo antiquada”, pondera Junior Cadima, pedagogo e mestre em educação com especialização em psicopedagogia, psicomotricidade, neurociência aplicada à educação e neuropsicologia aplicada à neurologia infantil. “Outro ponto é que, hoje em dia, os celulares são vistos como ferramentas úteis para comunicação e segurança dos filhos, especialmente por parte dos pais, o que reforça a resistência à ideia de proibição”, acrescenta.
Cadima destaca, porém, que esta é uma posição que, muitas vezes, subestima o tamanho do impacto negativo que o uso dos celulares tem no ambiente escolar – e ele é muito mais profundo do que a simples ideia (que de simples não tem nada) de não prestar atenção na aula. “O impacto nas escolas vai muito além da distração. O uso excessivo de celulares e outras telas está associado à redução da capacidade de manter o foco em uma atividade, dificuldades na regulação emocional, na construção de vínculos sociais saudáveis, na diminuição da empatia, diminuição da capacidade de lidar com a frustração e até prejuízos no sono de adolescentes”, ressalta o profissional.
Especificamente em relação à sala de aula, o pedagogo destaca que o uso do aparelho impacta diretamente no aprendizado. “Estudos mostram que a carga cognitiva necessária para alternar a atenção entre tarefas (como prestar atenção na aula e verificar o celular) diminui a capacidade de aprendizagem, pois prejudica a retenção de informações e, consequentemente, o desenvolvimento cognitivo”, explica.
Os impactos na infância
Para os pequenos, os prejuízos são ainda maiores, afinal, o desenvolvimento de habilidades que estão a todo vapor – emocionais, sociais e cognitivas –, é impactado negativamente, e isso pode repercutir pelo resto da vida. Embora não seja o caso na Educação Infantil, professores do Ensino Fundamental I (cuja faixa etária vai dos 7 aos 11 anos) já relatam que há crianças acostumadas a levar o celular para a escola.
Para dar uma ideia da dimensão da questão, de acordo com os dados mais recentes obtidos pelo IBGE, 54,8% de jovens entre 10 e 13 anos tinham celular no Brasil em 2022, enquanto os números levantados pelo Mobile Time em parceria com a Opinion Box impressionam ainda mais: 26% das crianças entre 4 e 6 anos já têm o próprio smartphone.
Para fins de comparação, vale lembrar que a Sociedade Brasileira de Pediatria considera entre uma e duas horas o tempo limite de tela por dia para crianças de 6 a 10 anos, e entre duas e três horas dos 11 aos 18 anos (somando o uso de computador, videogame, televisão, tablet, celular etc.), com a devida supervisão e orientação que cada fase do desenvolvimento demanda.
“O uso frequente na infância pode prejudicar muito a capacidade de brincar de forma criativa, de interagir socialmente e de desenvolver a linguagem. Além disso, o excesso de exposição a telas afeta o desenvolvimento da atenção e da memória, o que impacta negativamente a aprendizagem escolar”, alerta Junior Cadima.
Mas e a educação digital?
Um questionamento frequente em relação à proibição dos celulares nas escolas é sobre por que perder a oportunidade de integrar a tecnologia às atividades, quando se pode ensinar e incentivar o bom uso, já que se trata de um recurso inerente à vida contemporânea e com o qual os jovens vão acabar se deparando inevitavelmente.
De fato, “integrar o celular à rotina escolar pode ser benéfico se for feito de forma controlada e orientada, utilizando-o como uma ferramenta pedagógica”, pondera Junior Cadima. Incentivar pesquisas, promover um quiz online e coletivo, buscar notícias sobre determinados assuntos e até produzir fotos e vídeos para eventos e feiras, por exemplo, são formas interessantes de usar a tecnologia a favor do aprendizado. “No entanto, o maior desafio é evitar que o uso de redes sociais e aplicativos de mensagens interfira no foco dos alunos. Uma estratégia eficaz seria o uso de aplicativos de bloqueio que limitam o acesso às redes sociais durante o horário escolar, permitindo que o celular seja usado apenas para fins educativos”, considera o profissional.
Outra possibilidade que ele destaca, e que parece ser a escolhida por colégios que já restringem o uso do smartphone, é buscar outras formas de incluir a tecnologia na rotina escolar sem depender do celular pessoal dos alunos. “As escolas podem utilizar tablets ou notebooks escolares, que são configurados exclusivamente para fins pedagógicos, sem o acesso irrestrito a aplicativos que possam desviar a atenção. Da mesma maneira, plataformas digitais controladas, como ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), também podem ser utilizadas para integrar a tecnologia de maneira mais segura e eficiente”, orienta.
Vale lembrar que a cultura digital é uma das competências estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), documento que traz os aprendizados essenciais nas escolas brasileiras até o Ensino Médio.
Leia também: Como usar a tecnologia na educação infantil
O início de uma mudança mais abrangente
Certamente, esse é o início de uma discussão que se mostra cada vez mais necessária e que deverá ultrapassar os muros do colégio. Embora talvez assuma um aspecto radical, a proibição do celular nas escolas pode ser apenas um primeiro passo necessário para provocar reflexões e transformações muito mais abrangentes.
Entretanto, é preciso que ele seja tomado com uma série de cuidados. “Como em qualquer mudança de comportamento, há o risco de um efeito rebote, especialmente se a proibição não for acompanhada por educação digital. Ou seja, a proibição pode gerar ansiedade em crianças e adolescentes que estão acostumados a usar o celular como uma forma de conexão social, especialmente fora do ambiente escolar”, ressalta Junior Cadima.
É por isso que o uso saudável das novas tecnologias deve ser abordado de forma mais ampla, com educação digital e campanhas de conscientização que envolvam tanto as famílias quanto a sociedade em geral. “Nesse sentido, acredito ser fundamental que o poder público, as escolas e os pais trabalhem juntos”, acrescenta o pedagogo.
Além disso, as formas pelas quais essa restrição se dará – apenas em sala de aula, durante toda a permanência na escola, com o aparelho guardado na mochila ou em recipientes específicos – ainda devem gerar debates, buscando a melhor solução.
Por fim, é interessante considerar que, quanto mais cedo algo se torna hábito na vida, mais consolidado ele se torna no futuro – o que vale para costumes saudáveis ou não. “Crianças se adaptam mais facilmente a novas realidades do que adolescentes e adultos, e isso ocorre devido à neuroplasticidade do cérebro infantil”, explica Cadima, que acrescenta: “no caso dos adolescentes, apesar da alta plasticidade cerebral, eles enfrentam o desafio de desenvolver a autonomia e a identidade social, o que pode gerar uma maior resistência às mudanças impostas externamente, como novas regras ou hábitos”.
Criar a cultura de um espaço livre de celulares, portanto, é muito mais fácil se a intervenção acontecer desde o início da vida escolar. Assim, conforme os alunos crescem tendo o entendimento de que escola não é lugar para acessar jogos, redes sociais e conversar por mensagens, essa restrição se torna natural, assim como tantas outras. Com o tempo, os efeitos poderão ser avaliados e novas mudanças aplicadas, sempre pensando no bom desenvolvimento de crianças e adolescentes e, no longo prazo, em uma sociedade que se relaciona de forma mais saudável com as tecnologias de hoje e as que ainda virão.