Estamos começando um novo ano e, nesta época, é muito comum fazermos o planejamento das nossas atividades: resgatar o que queríamos ter feito no ano anterior e não conseguimos por algum motivo, deixar de lado uma meta que não faz mais sentido, listar o que queremos e precisamos fazer, enfim, reorganizar para recomeçar.
Neste período, também não é raro encontrar mães, pais e cuidadores fazendo o mesmo com a agenda das crianças. Além do horário destinado à creche ou escola, nessa organização podem entrar também várias outras atividades como cursos de idiomas e esportes, aulas de dança, de artes e muito mais.
Ainda que a intenção seja a melhor possível, como geralmente acontece quando falamos de mães, pais e outros cuidadores para com suas crianças, uma agenda lotada pode trazer consequências bastante desagradáveis para os pequenos, como ansiedade, estresse e uma autocobrança exagerada, cujos efeitos poderão ser sentidos por muito tempo na vida adulta.
A boa notícia é que há uma maneira de prevenir isso, que dispensa fórmulas mirabolantes e que, certamente, você já imagina qual é: o bom e velho equilíbrio.
A agenda lotada e a busca por produtividade
É natural que nós queiramos oferecer aos nossos filhos todas as oportunidades possíveis para que eles cresçam, se desenvolvam, descubram e aprimorem seus talentos e, sobretudo, sejam felizes. Nesse processo, muitas vezes entra também nosso desejo de ver realizado o que projetamos quando as crianças ainda nem haviam nascido, ou eram apenas pequenos bebês.
Assim, se o desejo era ser pai de um mini craque do futebol, a criança logo começa a frequentar a escolinha pelo menos três vezes por semana, incluindo os sábados. Se o sonho era um pequeno prodígio da lógica e da matemática, as aulas de reforço e robótica muitas vezes têm início antes mesmo da alfabetização. Esse cenário também pode ser visto nas aulas de balé, natação, desenho, pintura, culinária e, claro, idiomas.
Alguns membros da família Quindim já devem ter visto uma história bem parecida com essa na obra O urso contra o relógio, enviada aos assinantes. No livro, um ursinho muito simpático vive se atrasando para tudo. Cansados de lidar com isso, seus familiares o presenteiam com um relógio e, a partir daí, o ursinho passa a estar sempre de olho nos ponteiros para não perder nenhum dos seus (muitos) compromissos.
São aulas e mais aulas de tudo o que se pode imaginar, uma seguida da outra. O ursinho vai vivendo assim, correndo atrás do tempo em uma batalha que não pode ser vencida, até que fica doente. É então que ele vai ao médico e descobre que o seu remédio é um só: descansar.
Qualquer semelhança com a vida real não é mera coincidência. Se você tem um desses ursinhos em casa, uma parte da superlotação de atribuições pode ser explicada pela preocupação com o futuro e a empregabilidade dos nossos filhos em um mundo em constante transformação. Mas, mesmo quando a criança demonstra interesse e entusiasmo pela atividade, cabe a nós mediar a situação para que outras coisas além de atividades, cursos e tarefas, encontrem espaço na programação diária.
E, aqui, vale destacar que o ócio está entre essas coisas e, inclusive, precisa ocupar um lugar de destaque nessa lista. Nossa busca deve ser por dosar as demandas de maneira que a criança tenha tempo de fazer o que precisa ser feito, o que ela gosta de fazer e, também, não fazer nada. Em resumo, precisamos permitir que a criança tenha tempo para ser criança, com tudo aquilo que isso implica – inclusive a sensação de tédio.
Os riscos da agenda lotada para a saúde física e mental
Além do mais óbvio, que é a falta de tempo para brincar e ficar à toa com irmãos, amigos ou mesmo sozinho, com o tempo uma agenda lotada pode se transformar em sinais de estresse variados, como irritabilidade, mau humor, dores de cabeça e no corpo, dificuldades para dormir, falta de apetite e enjoo, entre outros.
Essas são apenas algumas das manifestações físicas possíveis para uma criança que está se sentindo pressionada a ser produtiva o tempo todo. Em alguns casos, pode ser que o pequeno verbalize claramente que não quer ir para uma determinada aula. Em outros, pode apenas ficar calado, triste e pelos cantos, mas fazendo de tudo para continuar dando conta de uma infinidade de tarefas, ainda que esteja exausto e infeliz. A razão desse silêncio você também já deve desconfiar qual é: não desagradar os pais.
Esse é mais um lembrete da importância de deixarmos claro para os nossos filhos o quanto os amamos simples e unicamente por serem quem são, independentemente de seu desempenho na escola ou em atividades extracurriculares. Nossos filhos precisam ter a mais absoluta certeza, sem qualquer sombra de dúvida, de que já têm o nosso amor, e que, portanto, não precisam ser ou fazer isso ou aquilo para merecê-lo.
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Os impactos da valorização da produtividade na infância
É natural que pais e cuidadores queiram ensinar às crianças sobre o valor do esforço, do comprometimento e da dedicação. Mas isso não precisa vir, necessariamente, por meio de uma agenda lotada. No dia a dia, podemos mostrar aos nossos filhos que não é apenas a nota na prova que tem valor, especialmente em comparação com outras crianças.
Inclusive, a comparação com irmãos, primos e coleguinhas da escola pode fazer que a criança se sinta diminuída sob seus olhos, deixando-a ainda mais fragilizada e fortalecendo o pensamento equivocado que mencionamos anteriormente, de que a criança precisa ser de uma determinada maneira ou fazer determinadas coisas para ser merecedora de atenção, afeto, carinho e amor.
Tendo isso em mente, precisamos ensinar nossos pequenos a lidar com responsabilidade e esforço, mas também com o erro, a falha, a frustração e a imperfeição. Nem sempre vamos conseguir fazer nosso melhor, nem sempre nosso melhor trará os resultados esperados. Aprender a navegar nesses cenários também é uma habilidade fundamental para os nossos filhos, que será muito utilizada ao longo de toda a vida. O objetivo, portanto, deve ser sempre melhorar a si mesmo, e não ser melhor do que alguém.
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O valor da desaceleração em prol da criatividade e da saúde mental
Curiosamente, boa parte das competências fundamentais para que qualquer pessoa tenha um bom convívio em sociedade, uma vida equilibrada e conquiste uma carreira de sucesso, seja em que área for, são desenvolvidas durante a infância: imaginação, criatividade, capacidade de improvisar, resolução de problemas e flexibilidade são recursos valiosos, que precisam ser cultivados na infância e exercitados por toda a vida.
É com a experimentação, a testagem de hipóteses, as descobertas e, sobretudo, a brincadeira livre que as crianças vão aprendendo a lidar com o inesperado, a imaginar diferentes cenários possíveis, a processar suas emoções e sensações e a explorar o mundo ao seu redor.
Nesse contexto, o tédio tem o papel fundamental de ser um importante catalisador de ideias: é justamente no tempo ocioso, olhando para o teto ou pela janela, pensando sobre a vida e na companhia de nós mesmos que conseguimos refletir sobre os acontecimentos da nossa própria existência, ponderando sobre como agimos, o que poderíamos ter feito de diferente, onde acertamos. São valiosos momentos de calma e felicidade que só podem ser experimentados quando não estamos imersos em uma aceleração infinita com destino a lugar algum.
E vale o reforço: esse tempo ocioso não envolve telas de TV, tablet ou celular. Pelo contrário: quanto mais aprendemos sobre o efeito das telas em nossos cérebros, especialmente nos cérebros das crianças, que ainda estão em plena formação, mais evidente fica a importância de reduzir o tempo diante desses dispositivos ao mínimo necessário, priorizando a vida offline. Que tal, então, abrir um livro?
Estante Quindim
Conheça 3 obras que retratam a importância do tempo livre na infância: