“Nossa, ele já anda e ainda mama?”, “Você não acha que está hora de parar?” ou o clássico: “Mas ainda sai leite?”. Apesar de a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendar a amamentação até dois anos ou mais, a chamada “amamentação prolongada” ainda é muito malvista pela sociedade em geral. Mães que decidem amamentar crianças maiores de dois anos muitas vezes são alvo de muito julgamento, falta de apoio e desinformação, inclusive por parte de profissionais da área de saúde.

Afinal, a amamentação após os dois anos de vida da criança faz bem? Faz e muito. Os benefícios imunológicos são inúmeros, e os metabólicos também: crianças que mamam por mais tempo têm menos riscos de sobrepeso, obesidade, diabetes e hipertensão na vida adulta. Ah, e vale destacar que o leite materno não vira água nunca: mesmo após os dois anos, ainda têm calorias, proteínas, cálcio, e vitaminas A, B12, C em boa quantidade.

Amamentacao prolongada por que amamentar criancas maiores faz bem para todo mundo capa

“A imunidade é sem dúvida o maior benefício para a criança que mama por mais tempo. Há estudos que mostram que famílias inteiras pegaram dengue, por exemplo, menos a criança que ainda era amamentada, já que o leite materno tem fator protetivo contra a doença”, diz a jornalista Verônica Linder, autora de Toda mulher é o mundo – Guia de Aleitamento Materno. “Além disso, crianças amamentadas por mais tempo crescem mais saudáveis. E amamentar tem outras funções importantíssimas, como a regulação emocional e a saciedade”.

O leite materno é um protetor contra mortes infantis, e a proteção é maior quanto menor é a criança. Mas ainda que a taxa de proteção diminua à medida que ela cresce, ainda é o dobro no segundo ano de vida se comparada com bebês que não estão em amamentação prolongada. 

O mesmo acontece em relação a mortes por infecções respiratórias. Estudos realizados pela OMS concluíram que quando as crianças não eram amamentadas após os dois anos de vida, possuíam uma chance quase duas vezes maior de morrer por doenças infecciosas. 

No ano passado, um grupo de estudos da OMS mostrou que, nas próximas pandemias, amamentar deverá ser uma recomendação primordial — o leite materno é considerado a primeira “vacina” do bebê. No mês passado, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, chamou a atenção para o fato de que o aleitamento tem a mesma importância da vacinação quando se trata da proteção das crianças. 

Em um cenário pandêmico, é bom que mais crianças estejam mamando cada vez mais e por mais tempo, por conta da imunidade“, diz Linder, que é pós-graduanda em amamentação. 

Mas ainda sai leite?

O leite materno é o melhor e mais nutritivo alimento que um recém-nascido pode receber. Ele é tão completo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda alimentar os bebês exclusivamente com leite materno nos primeiros seis meses de vida. Ou seja, o leite sozinho é capaz de suprir completamente todas as necessidades do bebê. Após essa idade, a recomendação é que as mães continuem amamentando seus filhos, pelo menos até os dois anos.

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Mesmo após este período, do ponto de vista nutricional, ele continua sendo extremamente nutritivo, já que se adapta às necessidades da criança que está sendo amamentada. Estima-se que dois copos (500ml) de leite materno no segundo ano de vida sejam responsáveis por suprir 95% das necessidades de vitamina C, 45% das de vitamina A, 38% das de proteína, e 31% do total de energia.

E, apesar de tantos benefícios, muitos profissionais de saúde ainda insistem em dizer que a amamentação após os dois anos é desnecessária e que o leite materno não tem mais valor nutricional. Além da desinformação, o julgamento de parte da população, especialmente quando se trata de um menino mais velho sendo amamentado pela mãe, também é um dos grandes fatores que interrompem a amamentação após os dois anos. 

Amamentação: Mulher amamentando criança de mais de 2 anos. Ela está falando ao telefone e também trabalhando no computador.

“Os médicos não estão preparados ou interessados em ver que a amamentação seja prazerosa e natural. Ver como nossa biologia e fisiologia estão funcionando é muito poderoso, porque o corpo da mulher sempre foi visto como insuficiente”, afirma Linder. “Além disso, em uma sociedade patriarcal, o acesso de uma criança ao corpo de uma mulher, sem limites, é malvisto, principalmente quando a criança deixa de ter o aspecto de um bebê. Todo o problema passa pela sexualidade da mulher”. 

Veja também: Amamentação em público: por que o ato ainda gera polêmica?

Por último, falta apoio às mães. No mês passado, Nísia Trindade anunciou um projeto para a instalação de salas de amamentação nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do Brasil, uma iniciativa piloto que será implementada nos estados do Pará, Paraíba, Distrito Federal, São Paulo e Paraná. A iniciativa tem o objetivo de apoiar mães que trabalham fora, especialmente aquelas que estão no mercado informal e não têm o amparo da legislação. 

Com tantos obstáculos, muitas mulheres acabam desistindo, mesmo que não se importem em continuar amamentando. Por isso, o apoio contínuo, a educação e o acesso a profissionais de saúde capacitados em amamentação são fundamentais para superar os desafios e garantir uma experiência positiva e gratificante para as mães que optam por praticar a amamentação prolongada.

A representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil, Socorro Gross, ressalta que o sucesso da amamentação não é responsabilidade exclusiva da mãe e sim de toda a sociedade: comunidades, empregadores, famílias, governos, profissionais de saúde e meios de comunicação. Não por acaso, em sociedades indígenas e afro, onde há um sentimento maior de comunidade, mulheres tendem a amamentar por mais tempo. 

Amamentação: Mulher amamentando criança de mais de 2 anos ao ar livre, sentada.

“Somente dessa maneira nós vamos ter gerações mais fortes, mais inteligentes, com mais resiliência, e menos obesidade”, afirmou durante um encontro em agosto, quando se comemora o mês do aleitamento materno no Brasil.

Com tantas adversidades, os números são baixos, ainda que tenham crescido nos últimos anos, graças a campanhas públicas. Na região das Américas, somente 32% das crianças continuam sendo amamentadas até os dois anos — não há estatísticas para a amamentação depois dos dois anos.

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Benefícios da amamentação também para as mães

E os benefícios não são apenas para o bebê. Para a mãe, a amamentação após dois anos também traz vantagens, que incluem menores taxas de hipertensão, de gordura na corrente sanguínea e de doenças cardiovasculares, além de melhorias na saúde mental

Além disso, quanto mais tempo uma mulher produzir leite, menor a probabilidade de desenvolver câncer de mama, útero e ovários, além de pressão alta, doença cardíaca e AVC. 

Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), os benefícios se estendem à prevenção do câncer de mama: as estimativas atuais sugerem que, a cada ano de amamentação, o risco é reduzido de 4,3% a 6%. O impacto se dá pela diminuição de hormônios que facilitam o desenvolvimento do câncer e pela eliminação de células que poderiam apresentar alterações genéticas.

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Por todos estes fatores, Linder também questiona o próprio termo “prolongada” para se referir à amamentação após os dois anos da criança. Afinal, se a recomendação é, segundo a OMS, até dois anos ou mais, quando a amamentação vira “prolongada”? A palavra, segundo ela, traz a ideia de que se ultrapassa um limite, ou seja, que existe de fato uma data para que a amamentação termine:

“Quando dizemos que a amamentação é prolongada parece que é algo que já deveria ter acabado. É a nossa cultura que diz que é preciso ser amamentado até certa idade”, afirma. “Também evito usar o termo ‘ainda’, porque dá a sensação de cansaço. Amamentar não precisa de um adjetivo”.

Veja também: O que considerar para um desmame gentil.

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