Ela já foi uma prática associada a criar filhos cheios de vícios de tal forma que foi indicada só para amas de leite antes de virar uma recomendação de saúde. Saiba mais sobre a história da amamentação neste artigo escrito pela pesquisadora Martha Lopes.
Se você é mãe e passou pela experiência da amamentação, certamente vivenciou algumas dificuldades e também momentos de troca e afetos que ficam para sempre na memória. Hoje, sabemos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) orienta que as mulheres amamentem seus bebês exclusivamente, ou seja, sem complementar com outros alimentos, até seis meses de vida. De acordo com o Ministério da Saúde, seguir essa orientação reduz em 13% a mortalidade infantil e diminui os casos de diarreia, hipertensão, colesterol alto, diabetes e obesidade. No entanto, nem sempre foi assim: por um longo período, a amamentação era uma prática não recomendada para grande parte das mulheres.
A história da amamentação
A autora Elisabeth Badinter recupera a amamentação e outros momentos-chave da história da maternidade no livro Um amor conquistado, de 1985. Conta, por exemplo, que até o século 18, na Europa, o pai era a principal autoridade e quem conduzia a educação do filho. A criança era vista como uma criatura imperfeita, influenciada pelo peso do pecado original. Teóricos como Santo Agostinho incentivavam a frieza dentro dos lares e a dureza na educação a fim de “corrigir” o comportamento das crianças.
Nesse sentido, a mãe era vista como uma figura capaz de desvirtuar a criação dos filhos, pois o seu afeto e até com o ato de amamentar, poderia gerar filhos cheios de vícios. Na verdade, não faltavam motivos para desencorajar a amamentação, como diz Badinter:
Em nome do bom-tom, declarou-se a amamentação ridícula e repugnante. A palavra ‘ridícula’ retorna com frequência nas correspondências e livros de memórias. Mães, sogras e parteiras desaconselham a jovem mãe a amamentar, pois a tarefa não é nobre o bastante para uma dama superior. Não ficava bem tirar o seio a cada instante para alimentar o bebê. Além de dar uma imagem animalizada da mulher ‘vaca leiteira’, é um gesto despudorado. […] Se a mãe amamentasse, devia esconder-se para isso, o que interrompia por um longo período a sua vida social e a de seu marido. […] Para os homens ‘aleitamento é sinônimo de sujeira. Um verdadeiro antídoto contra o amor’.
Elisabeth Badinter, em Um amor conquistado
Amas de leite: aliadas no processo de amamentar
Assim, as mulheres da aristocracia e da burguesia enviavam seus bebês a amas de leite. Eram mulheres pobres que normalmente viviam na zona rural. Elas se ocupavam com os cuidados com as crianças, mas também com o trabalho na lavoura. Era comum, portanto, que a criança ficasse abandonada, suscetível a perigos e que fosse alimentada com um leite aquecido, muitas vezes sem higiene. Além disso, só a viagem do bebê até a residência da ama de leite já envolvia uma série de acidentes. Por isso, a mortalidade infantil naquele período atingiu índices altíssimos. Na França, nos séculos 17 e 18, até um ano de idade, mais de 25% das crianças morriam – só nos asilos de Paris, que recebiam crianças abandonadas, 84% das crianças com até um ano de idade vinham a óbito.
No Brasil, até esse período, era um pouco mais frequente a amamentação entre as mulheres da colônia, por influência dos hábitos indígenas. Mas, da mesma maneira, famílias de posses também buscavam amas de leite para as crianças. Era comum, ainda, dar a bebês outros alimentos que não o leite materno, como farinha de mandioca, leite de gado e açúcar, papa de goma, ararura, banana machucada, creme de arroz e fubá de milho. Assim como na Europa, alimentava-se a criança com pano de linho embebido em leite e colocado na boca do bebê ou com mamadeiras sem cuidados higiênicos adequados. Por isso, a taxa de mortalidade infantil era alta: pelo menos 20% ou 30% dos recém-nascidos faleciam nos primeiros doze meses após o parto.
Mas isso estava prestes a mudar com o surgimento de uma nova ideia de maternidade.
Maternidade romantizada e a volta da amamentação pela mãe
Com a enorme taxa de mortalidade infantil, gestores públicos e órgãos de saúde passaram, então, a se preocupar com os descuidos praticados contra a infância. Por trás disso, há um receio de que a mão de obra agrícola e industrial vá diminuir mais adiante. Aparece, naquela época, o conceito de população, quando fenômenos como a fecundidade, a mortalidade e a natalidade de um povo se tornam preocupações do governo. Esse cenário vai motivar autores da época, assim como médicos e outras figuras públicas, a disseminarem a ideia de que as mães devem se ocupar pessoalmente do cuidado com os filhos, dando preferência à amamentação.
Jean-Jacques Rousseau foi um dos autores que integraram esse movimento, dando impulso à ideia da família moderna, baseada no amor da mãe. Esse amor é desenhado como a razão de vida da mulher, algo que deve estar sempre em primeiro plano, como instintivo e natural.
Se, por um lado, essas ideias ajudaram a disseminar a amamentação e a combater a mortalidade infantil, por outro, certamente fizeram surgir uma ideia de mãe muito distante da realidade. Com ela, nasce a culpa materna, que persegue a nós mulheres em diferentes circunstâncias: quando nos dedicamos ao trabalho e não aos filhos, quando sentimos prazer em uma atividade que não a maternidade, quando sentimos a fadiga e o desgaste de ser mãe antes de nos derramarmos de amor. É preciso que nos lembremos todos os dias: ser mãe é uma experiência de uma potência única. Mas cabe a cada mulher achar o seu jeito e equilibrar sua maternidade com tudo aquilo que a faça feliz.
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[…] No último mês do desenvolvimento do bebê na barriga, a mãe pode sofrer com faltas de ar, azia e má digestão, vontade de ir ao banheiro com mais frequência (devido ao aperto na bexiga), seios inchados e maior sensibilidade. Também é comum que aconteça o vazamento do colostro, que é aquele leite dos primeiros dias de amamentação. […]