Reconhecer a potência do próprio corpo não é uma atitude simples para os adultos, em especial para as mulheres. Os padrões estéticos beiram a crueldade, colocando expectativas irreais em relação ao físico e apresentando soluções perigosas para alcançá-las. Consequentemente, o psicológico fica fragilizado também. É nesse cenário desafiador que surge uma das muitas missões dos pais: ensinar as crianças a respeitarem seus corpos desde pequenas.
A psicóloga e neuropsicóloga Roberta Krauss, também formada em pedagogia, explica que estudos sobre o desenvolvimento infantil sugerem que as crianças começam a se perceber como indivíduos distintos e com características físicas específicas entre os três e cinco anos.
“Nessa fase, a imagem corporal ainda é superficial, e os juízos de valor estão diretamente relacionados ao feedback de adultos e pares. No entanto, essas percepções ainda não estão profundamente internalizadas”, detalha a especialista.
É a partir dos seis anos que as crianças iniciam o processo perigoso de se comparar, julgando o próprio corpo com mais consciência. “Esse período é influenciado pelo ambiente escolar, amigos e, em alguns casos, por mídias sociais e conteúdos infantis. As comparações dessa fase introduzem as primeiras noções de qualidades e defeitos relacionados ao corpo mediante suas referências próprias”, completa Krauss.
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Sinais que indicam problemas na autoestima infantil
A especialista enfatiza que os pais não devem ficar alarmados quando os filhos começarem a diferenciar o próprio corpo em relação aos de outras pessoas, porque isso faz parte de entender a pluralidade do ser humano. No entanto, é preciso atenção caso a autoimagem passe a ser um incômodo às crianças.
O descontentamento com o próprio corpo pode ficar nítido por meio de comentários negativos sobre si – como “eu sou feia”, “queria ser diferente” e “ninguém gosta de mim do jeito que sou”. Normalmente são falas acompanhadas da vontade da criança de mudar os pontos que a incomodam, como peso, altura, cabelo e até mesmo tom de pele.
Passar muito tempo na frente do espelho ou evitá-lo, ficar obcecado com detalhes específicos sobre si e pedir constantemente a opinião dos outros sobre a própria aparência também são sinais de que o pequeno pode estar com dificuldade para estabelecer uma relação saudável com o próprio corpo.
O mesmo vale para não querer realizar atividades sociais com pares, como esportes e apresentações. No entanto, vale a atenção para entender se não é um comportamento em decorrência de timidez e/ou vergonha motivadas por outras inseguranças.
A forma de brincar da criança também é um meio importante para avaliar o jeito que ela se enxerga. Reproduzir falas ou atitudes negativas sobre o próprio corpo durante a diversão e evitar brincadeiras que envolvam movimentos físicos, como correr ou pular, podem evidenciar vergonha do próprio corpo.
A forma de lidar com a comida também diz muito sobre a autoestima de alguém, mesmo na infância. Reduzir ou aumentar drasticamente a quantidade de alimento consumido e mostrar preocupação exagerada com dieta ou peso, mesmo sem necessidade, são atitudes que merecem atenção.
“Caso perceba algum desses sinais, deve-se conversar com a criança de forma aberta e acolhedora para entender suas preocupações, evitar reforçar padrões de beleza irreais, ajudar a construir uma imagem corporal positiva e considerar buscar a orientação de um psicólogo ou especialista, caso o comportamento persista ou afete significativamente o bem-estar dela”, pontua Krauss.
Veja também: Autoestima: como construir a autoconfiança desde a infância
8 atitudes para ensinar a criança a amar o próprio corpo
Entende-se, então, que estabelecer um vínculo saudável com o próprio corpo é uma construção diária para a criança. Só que, para isso, é importante que os pais estejam atentos a atitudes rotineiras que fortalecem ou fragilizam esse processo. Confira, a seguir, oito comportamentos importantes para incentivar o pequeno a se sentir em paz com sua autoimagem.
1. Seja o exemplo de como ter uma relação saudável com o próprio corpo
A máxima de que “criança aprende pelo exemplo” se encaixa também em como ela pode aprender a ter uma relação positiva com a autoimagem a partir da forma que os pais lidam com seus corpos.
Isso significa que não adianta dizer frases que incentivam o pequeno a gostar de si ao mesmo tempo que ele presencia seus cuidadores sendo cruéis consigo, atrelando valores negativos próprios a partir da aparência.
O mesmo vale sobre comentários a respeito do corpo alheio. Não há problema em responder as dúvidas infantis que surgem a partir da observação do outro. Mas é desrespeitoso falar sobre a aparência de alguém como se o corpo dele fosse público, o deixando desconfortável em existir dentro da própria pele.
Entende-se, então, que ensinar a criança a lidar com seu corpo de forma positiva parte da premissa dos pais revisitarem a maneira que lidam com sua autoimagem e com a dos outros. Legitimar a diversidade corporal é fundamental.
2. Lembre a criança que o corpo dela é mais do que aparência
Krauss orienta sobre a importância de ensinar ao pequeno que o corpo dele é mais do que um aparato estético. Quando isso acontece, torna-se mais simples explicar por que é necessário cuidar dele como algo precioso, com atividades físicas e alimentação equilibrada, por exemplo.
Frases como “seu corpo é incrível porque ele permite você brincar, correr e explorar” e “seu corpo possibilita você ir a lugares incríveis” podem contribuir com esse processo.
3. Promova atividades físicas prazerosas
Movimentar o corpo é uma ação vital para um desenvolvimento saudável do físico e emocional da criança. No entanto, é importante que isso aconteça a partir do que os pequenos gostam para que não seja cansativo ou obrigatório. Mais uma vez, a saída mais viável é uma atividade que envolva o brincar.
A longo prazo, esse ensinamento faz o indivíduo crescer compreendendo que se exercitar não precisa ser um fardo. É necessário apenas explorar as possibilidades para encontrar algo que goste.
A prática da atividade física também ajuda a criança a criar conexão com o próprio corpo a ponto de ser um recurso para que ela não seja refém da própria mente. Quando adulto, isso pode ajudá-la a driblar comportamentos nocivos à saúde que são mais comumente usados para extravasar, como o uso de bebida alcóolica ou substâncias viciantes.
4. Mostre a importância da alimentação equilibrada
É importante, desde cedo, aprender a se alimentar equilibradamente e com diversidade. Afinal, diante de uma sociedade que corre contra o tempo, é consequência esperada estarmos abrindo mais embalagens do que descascando alimentos. “Uma alimentação rica em possibilidades não é para estar atrelada a somente peso. É o que precisamos para uma vida com energia e força”, reforça Krauss.
Para isso, o principal conselho da psicóloga é envolver a criança nos preparos das comidas, pois assim ela vai aprender desde cedo o que é cada ingrediente, a importância deles na rotina, a dedicação necessária para cozinhá-los até o que é saciedade – uma das primeiras sensações que se perde na corrida contra o tempo.
5. Exponha a diversidade corporal
A sociedade é plural e é fundamental ter isso em mente ao falar de corpos. Não há características físicas certas e erradas, e para ensinar isso à criança deve-se trazer diferentes referências das formas de existir no mundo.
“Apresente livros, filmes e brinquedos que valorizem diferentes tipos de corpos, etnias e características. Ensine que cada corpo é único e valioso à sua maneira. Apresente pessoas de diferentes posições sociais com corpos diversos, aborde a temática para que não se torne um TABU no futuro”, orienta Krauss.
6. Avise a criança quando seu corpo será tocado e o porquê
Para dialogar sobre amor ao próprio corpo, é necessário falar também sobre conscientização a respeito de atitudes alheias desrespeitosas, que podem chegar até mesmo ao abuso sexual infantil.
“Educação sexual começa desde o nascimento, pois a criança precisa crescer em um ambiente em que seu corpo não seja tratado como utilidade pública. Muitas vezes, essa conversa precisa ser ampliada para incluir outros familiares e pessoas que convivem com a criança”, enfatiza a psicóloga.
Na prática, a especialista orienta os pais a nomearem cada parte do corpo infantil, incluindo as genitálias, para que a criança saiba que há regiões que não devem ser tocadas por outros adultos. Além disso, ela deve sempre ser avisada sobre quando seu corpo vai ser tocado, mesmo que seja para limpeza e cuidados.
É importante frisar para as crianças que o laço familiar, independente de qual for, não dá liberdade para que ela seja tocada sem consentimento. A longo prazo, isso ajuda o indivíduo a compreender que o seu corpo é propriedade particular, independentemente da relação em que está inserido, e cabe só a ele decidir quem pode acessá-lo ou não.
7. Respeite o direito da criança de recusar interações físicas
A criança tem o direito de falar “não!” para que ela aprenda a impor limites e não é diferente em relação ao próprio corpo, já que o diálogo é sobre se respeitar. Em outras palavras, ninguém deve ser obrigado a beijar, abraçar ou até mesmo ficar perto de alguém que não queira.
O afeto deve ser uma troca e, mais do que isso: uma escolha. Caso contrário, o ensinamento que fica para a criança é que a vontade dela não é válida, dando brecha para que acredite que deve aceitar qualquer toque, porque o outro é que sabe o que é o melhor para ela.
8. Evite chantagens emocionais em troca de contato físico
Frases como “se você não me der um beijo, a vovó vai ficar triste” ou “você não vai me dar um abraço? Vou ficar chateado” podem ser bastante perigosas. Elas reforçam para a criança que ela deve se sujeitar a uma troca de afeto que não quer para que tenha bons sentimentos nutridos relacionados a ela.
Esse tipo de atitude é desrespeitosa e normaliza para os pequenos que eles devem sucumbir ao desejo do outro para serem amados. Além disso, os responsabiliza sobre o sentimento alheio e é injusto colocar essa obrigação em uma criança.
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