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O que é a depressão infantil?

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Quando se pensa em depressão, é comum que a doença seja imediatamente associada a pessoas adultas. No entanto, a depressão infantil existe. E trazer este assunto à tona é importante para ajudar a derrubar tabus relativos ao tema e auxiliar famílias que enfrentam ou possam vir a encarar a situação. 

De acordo com dados de 2020 da Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão entre pessoas na faixa etária dos 6 aos 12 anos aumentou de 4,5% para 8% em dez anos. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que mais de 13% dos jovens entre 10 e 19 anos vivem com diagnóstico de transtorno mental. Ansiedade e depressão são responsáveis por 40% desses diagnósticos. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) afirma que aproximadamente 2,7 milhões de pessoas entre 3 e 17 anos têm depressão (dados de 2016 a 2019).

Em meio aos números crescentes, um dos desafios no cenário da depressão infantil é identificar os sinais de que uma criança pode estar passando por essa situação. “A depressão infantil aparece das mais diferentes formas e é um dos diagnósticos mais delicados para se fazer ou mesmo para suspeitar, porque pode ser confuso”, explica a dra. Marta de Oliveira Gonçalves, psicóloga e psicopedagoga.

Isso porque tanto crianças menores quanto adolescentes podem apresentar sintomas que se misturam com características da faixa etária. De acordo com a dra. Marta, por exemplo: uma birra persistente pode ser, na verdade, irritabilidade exacerbada; uma queda no interesse por atividades que costumavam ser desejadas tem chances de ser confundida com cansaço. “Um dos pontos importantes a se observar é a mudança de comportamento no geral, que costuma ter sempre um certo padrão de perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas. O desafio está em separar pontos como irritabilidade, apatia, humor mais triste de outras questões que fazem parte da faixa etária e até de outros transtornos que também podem aparecer na infância”, continua a especialista.

Casos de depressão infantil também podem apresentar alteração no sono e no apetite, sintomas comumente vistos quando a questão atinge os adultos. Ainda podem surgir dores, principalmente nas crianças menores, que não conseguem verbalizar o que sentem. Nesses casos, quando se vai investigar uma causa física que explique o desconforto, não são encontrados motivos para as dores apresentadas.

De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), alguns dos sintomas de depressão em crianças são:

Como dito anteriormente, entre os menores de 12 anos também podem surgir situações como dor abdominal, dor de cabeça, náuseas, dores em membros inferiores, além de choro fácil, comportamento de roer unhas ou morder lápis, recusa em ir à escola e dificuldades escolares. A Associação Americana de Ansiedade e Depressão (ADAA, na sigla em inglês) ressalta que nem todos os sintomas precisam estar presentes para existir um diagnóstico. A organização também explica que, geralmente, para preencher os critérios de depressão, os sintomas ocorrem na maioria dos dias, durante ao menos duas semanas. 

O que fazer diante da depressão infantil?

Para a psicóloga e psicopedagoga Marta Gonçalves, um ponto de alerta para considerar a possibilidade de uma criança estar com depressão é a inexistência de uma razão física para os sintomas – lembrando que é sempre fundamental fazer uma investigação médica para o que a criança está relatando.

“Se não há uma razão física, o que sobra? O emocional. Investigar o emocional é um hábito que as pessoas, muitas vezes, não têm”, aponta a especialista, que ainda ressalta o risco de comportamentos comumente vistos entre os adultos para situações da infância, como acreditar que “vai acabar passando”. “[É necessária] uma investigação psicológica para ver o que está acontecendo com as emoções dessa criança”, diz ela.

Mas de onde vem tudo isso? Marta explica que o humor deprimido pode surgir, por exemplo, por dificuldades de relacionamentos, por a criança não conseguir fazer amigos, por ela tentar realizar algumas coisas que não dão certo. “São várias as razões e é preciso investigar o motivo da criança em questão. Isso é muito individual”, pontua. Ela também aponta para cuidados com dinâmicas familiares do dia a dia, como ter conversas que não são adequadas perto dos filhos, imaginando que eles não estão ouvindo e entendendo do que se trata. “As crianças são muito mais espertas do que se pensa. E, às vezes, elas chegam ao consultório preocupadas com problemas de adultos ou dizendo têm medo de fazer determinadas perguntas por achar que vão deixar a mãe triste, por exemplo (…). Esse sofrimento da criança vai se manifestar de alguma maneira”, explica. 

Alguns dos fatores de risco para a depressão infantil, segundo a SBP, também envolvem:

Quando os sinais de alerta surgem, a escola pode ter papel fundamental no processo de entender o que está acontecendo e das iniciativas que precisam ser tomadas em busca de ajuda. Faz parte da responsabilidade dos profissionais que atuam diretamente com as crianças no ambiente escolar informar os pais sobre alterações de comportamento que aconteçam ali, como mudanças que não fazem sentido em comparação com o que a criança sempre foi durante as atividades e interações dentro da escola.

Como tratar a depressão infantil?

A busca por ajuda profissional, como a de um psicólogo, é a principal recomendação quando existe a desconfiança do quadro. O diagnóstico adequado só poderá ser feito por um especialista capacitado para isso. 

Para a dra. Marta, é importante não perder de vista a integridade física da criança. “[Para definir um tratamento] o que vai ser avaliado será o quanto aquela criança está comprometida, o quanto o humor está deprimido e se não há ideações suicidas – não é porque estamos falando de crianças que isso não pode acontecer. Existem casos de crianças falando em desaparecer, morrer, sumir”, relata ela. De acordo com a SBP, dados de tentativas ou consumação de suicídio têm aumentado na adolescência e em idades cada vez mais precoces. “O que é avaliado para encaminhamento para a psiquiatria infantil inclui o comprometimento do quadro e há quanto tempo a criança apresenta os sintomas. O psicólogo é um profissional apto para isso. Inicialmente, pode ser feita uma avaliação em conversa com os pais e, depois, com a criança. Então, verifica-se a necessidade de seguir para um psiquiatra”, continua a especialista.

É possível prevenir?

Para a SBP, é papel do pediatra, a cada consulta, investigar questões relacionadas ao estado comportamental e emocional da criança. “Conversar sobre seu estado de humor e sobre os seus sentimentos deve fazer parte da consulta, assim como a investigação de uma rotina inadequada ou de indicativos de estresse tóxico e fatores de risco para depressão e transtornos psiquiátricos”, diz publicação da sociedade.

A dra. Marta explica também que “uma maneira de ajudar no desenvolvimento da criança é trazer equilíbrio entre as necessidades dela e o básico – higiene, alimentação, rotina, sono. Às vezes, acontece de existir uma rotina em que a criança tem que se adequar à família e não o contrário. Quando o bebê nasce, a rotina tem que ser dele. A hora que vai dormir, acordar, porque existe uma necessidade ali. Conforme a criança cresce, as coisas vão se equilibrando (…). Outro aspecto é a rotina social, ou seja, uma criança precisa conviver com outras crianças e não somente com adultos”, conta ela.

A especialista dá outras dicas para encontrar o equilíbrio nas atividades do dia a dia, mantendo uma rotina saudável e que seja compatível com a idade da criança. Por exemplo, convidar amigos do seu filho para fazer algo em casa (como pintar), ir ao parque, ao cinema (para os que já se adaptam ao passeio, sempre se lembrando de conferir a classificação indicativa dos filmes). A dra. Marta também recomenda que as famílias se informem sobre realizar uma orientação de pais com um psicólogo. Trata-se de um serviço, e não de uma terapia, para quem “quer entender melhor como cuidar dos filhos, uma conversa sobre o emocional”, explica.

Em meio a tudo isso, a pandemia

Um trabalho publicado em 2021 pelo periódico JAMA Pediatrics, liderado pela pesquisadora Nicole Racine, da Universidade de Alberta, no Canadá, chegou a algumas informações depois de avaliar dados de 29 estudos com crianças e adolescentes, envolvendo 80.879 pessoas, de diversos países: um em cada quatro (25,2%) tinha sintomas de depressão, enquanto um em cada cinco (20,5%) apresentava sintomas de ansiedade. De acordo com o levantamento, os números dobraram em ambos os casos na comparação com o período pré-pandemia (eram 12,9% e 11,6%, respectivamente).

“Estar socialmente isolado, mantido longe dos amigos, da rotina escolar e das interações sociais está se provando muito difícil para as crianças”, disse Sheri Madigan, psicóloga clínica e co-autora do trabalho, em um texto publicado no site da instituição na época da publicação.

Outro estudo, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e divulgado em outubro de 2021, mostrou que 36% dos jovens no Brasil apresentaram sintomas de depressão e ansiedade durante a pandemia. O levantamento foi feito online, com cerca de 6 mil pessoas entre 5 e 17 anos, e apontou que uma em cada três crianças e adolescentes possuíam níveis de estresse emocional em intensidade considerada necessária para uma avaliação.

Ainda não temos ideia do comprometimento na saúde mental geral que a pandemia deixou. Ainda estamos vivendo as consequências da pandemia e, para cada pessoa, isso é de um jeito (…). Havia ali o medo de morrer e de pessoas que amamos morrerem, o medo de sair na rua, de se relacionar com os outros (…). [Em meio a tudo isso] há crianças que sofrem muito caladas, que têm medo de falar com os pais [sobre o que sentem] porque querem evitar o sofrimento deles. (…) Ainda não sabemos qual foi o grau de comprometimento emocional de cada pessoa”, pontua a dra. Marta.

Depressão infantil na pauta

Trazer esse assunto para as discussões que envolvem o universo das crianças e das famílias colabora para que os pais e responsáveis fiquem atentos aos sinais e estejam melhor preparados para procurar ajuda. Além disso, informar-se mais sobre a depressão infantil pode ajudar a derrubar o tabu de que o quadro não atinge as crianças, abrindo a possibilidade de mais pessoas encontrarem o tratamento adequado conforme a situação vivida.

Outro tabu relacionado é o de que a infância deve ser um lugar de plena felicidade. A psicóloga e psicopedagoga Marta lança uma reflexão: ao manter uma ideia fantasiosa de que na infância só se é feliz, de que maneira os pais estão realmente preparando seus filhos para a vida adulta e as frustrações que virão com ela? Cuidar de uma criança envolve, segundo a especialista, um olhar dos pais também para o futuro. 

Os responsáveis devem ter consciência de que um dos pontos de atenção da depressão infantil é a dificuldade de as crianças expressarem o que sentem e ficar atentos para conversar com seus filhos sobre sentimentos, como a tristeza, no lugar de somente tentar promover uma felicidade constante e plena. “Para elaborar o que se sente é preciso conversar sobre isso. Os pais podem perguntar a seus filhos: ‘Por que você está tão triste?’ e conversar sobre o assunto, sem negar o sentimento“, exemplifica a dra. Marta.

O contato com livros infantis e juvenis que, por exemplo, tragam os sentimentos como temática é um ótimo caminho para abrir o diálogo na família. “Ler para o seu filho (ou com ele) antes de dormir é uma maneira de criar um momento para conversar“, aponta a especialista. Com isso, existe a chance de a criança encontrar um caminho para expor o que sente. “Se a criança já for trabalhando assim desde pequena, vai ser muito mais fácil na adolescência (…). Todo livro nos faz pensar em nossa vida. Vivemos com os personagens”, conclui.

A dra. Marta destaca obras que podem ser aliadas nesse processo, como: “Emocionário” (Cristina Nuñez Pereira e Rafael R. Valcárcel, Editora Sextante), um tipo de dicionário de emoções que ajuda a esclarecer o que se está sentindo; “Uma família parecida com a da gente” (Rosa Amanda Strausz, Editora Ática) aborda a existência de diferentes configurações de família; “Ficar com raiva não é ruim” (Michaelene Mundy, Paulus Editora), sobre como lidar com esse sentimento; “Maria vai com as outras” (Sylvia Orthof, Editora Ática) traz a questão de se ter a própria opinião.

Confira também obras selecionadas pelo Clube Quindim, de assinatura de livros infantis, que falam com as crianças sobre autoestima, temas difíceis (como morte e separação), diferentes tipos de família e a importância de ser quem se é.  

Estante Quindim

Conheça livros infantis que ajudam as crianças a conversar e elaborar seus sentimentos:

Vazio, de Catarina Sobral
A Raiva, de Blandina Franco
Por que choramos?, de Fran Pintadera

fontes

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