Ler um livro de imagem requer um certo desapego à lógica e ao cronos. Primeiro, porque nem sempre os olhos encontram sentido no que veem. Depois, porque é preciso tempo para explorar as páginas, pois, geralmente, os artistas resguardam metáforas em cada ilustração, um não-dito, que pode ser interpretado de várias maneiras.
Em Vazio, um homem sente um incômodo, mas não sabe dizer exatamente do que se trata. Busca um médico que o examina, mas não lhe dá respostas. Segue ao supermercado, se enche de compras, mas a sensação persiste. Ele tenta preencher os desconfortos com flores e plantas, mas não resolve, olha para o lado, para as pessoas sem lamúrias, “tá tudo certo”, precavidas, seguindo as suas vidas encorpadas e coloridas.
Até que um dia, quando anda cabisbaixo, totalmente esvaziado de si, sem perceber, cruza com outro alguém que também se encontra neste estado de não-vida. E, como nos grandes encontros de amor, seu coração pulsa fortemente e o redireciona. Algo com uma força extraordinária o faz levantar o olhar e se abismar com a vida.
A obra é da artista Catarina Sobral, que criou um cenário colorido para que o protagonista se destacasse. Ele surge como se fosse uma folha de papel em branco em meio a tantas cores. Essa figura sem cor, sem vida, até invisível aos olhos dos outros já diz um bocado de coisas, não é mesmo? Bem, mas esta é apenas uma das possíveis interpretações para o que se passa com o protagonista. Pode ser tanta coisa! A criança leitora, por exemplo, consegue extrapolar o possível e criar narrativas bizarras e emocionantes. Ler este livro pode, inclusive, ser uma deixa para que adultos e crianças verbalizem seus sentimentos. Às vezes, durante a leitura compartilhada, escapa uma dor ou outra, e isso, que é do humano, quanto mais tratado entre os pares, melhor. Falar de si ainda é o melhor remédio para aquelas dores que não têm nome.