A isenção do imposto sobre livros está ameaçada. Mas quem isso afeta? As classes mais altas? As classes mais pobres? Por que precisamos “defender o livro”? O Clube de Leitura Quindim discute essa questão importante neste artigo.

Como começou o movimento “defenda o livro”

No dia 5 de agosto de 2020, a Câmara Brasileira do Livro divulgou em seu portal o Manifesto em Defesa do Livro, uma carta aberta em resposta ao projeto de reforma tributária do Ministério da Economia, comandado por Paulo Guedes, que criaria um imposto de 12% sobre os livros, até então isentos.A partir dessa data, a comunidade do livro, que inclui leitores, autores, editores, bibliotecários e outros profissionais da área, uniu-se em torno de uma causa: defender o livro. Afinal, como bem colocou a CBL em seu Manifesto, “difícil é avaliar o que uma Nação perde ao taxar o bem comum de formação intelectual de suas cidadãs e cidadãos”. Hoje, no Dia Mundial do Livro de 2021, a hashtag #defendaolivro soma mais de 62 mil usos no Instagram e o abaixo-assinado do movimento conta com quase 1,4 milhões de assinaturas.

75 anos da isenção do imposto sobre o papel

Jorge Amado
Jorge Amado. Reprodução fotográfica Correio da Manhã/Acervo Arquivo Nacional.

Em 1946, uma assembleia constituinte se reuniu para criar a quinta Constituição brasileira. Muitas personagens históricas fizeram parte desse capítulo marcante da democracia brasileira, dentre elas, o escritor, e então deputado, Jorge Amado. Ele foi um parlamentar atuante, que defendia ativamente a liberdade de expressão e de culto religioso. Dentre as emendas constitucionais propostas por ele, temos o Art. 31, inciso V, alínea C, que proíbe a União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar impostos sobre o “papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros”.

Em um país com altas taxas de analfabetismo, que saía de um regime ditatorial para sua Constituição mais democrática até então, a isenção do imposto sobre o papel representava a possibilidade da manifestação livre de opinião a vozes marginalizadas e, ainda, tornava o livro um item cultural de menor custo, que não seria mais um produto exclusivo para as elites. Especialmente após a reforma tributária de 1967, quando o próprio livro tornou-se isento de taxação.

Hoje, na Constituição de 1988, a isenção do imposto sobre livros está prevista no Art. 150 e, em 2004, o alíquota do imposto sobre a receita gerada pela venda de livros (PIS e Confins) foi reduzida a zero.

O Brasil tem uma longa história de defesa ao livro.

Mas será mesmo que “só rico lê livro no Brasil”?

Em documento com perguntas e respostas sobre a Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços (imposto proposto na reforma tributária, que unifica PIS e Cofins, entre outras contribuições sociais), a Receita Federal alega que apenas famílias com renda acima de 10 salários mínimos consomem livros não didáticos.

Diante dessa colocação curiosa, o Clube Quindim se voltou à única pesquisa que estuda o comportamento leitor em nosso país: a Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro. Em sua 5ª edição, apresentada em setembro de 2020, a pesquisa entrevistou 8076 pessoas. Confira os dados da amostra:

  • Classes A e B: compõem 25% da amostra e, portanto, 2019 entrevistados, dos quais 65% (média) são leitores, totalizando 1312 leitores.
  • Classe C: compõe 47% da amostra e, portanto, 3795 entrevistados, dos quais 53% são leitores, totalizando 2011 leitores.
  • Classes D e E: compõe 28% da amostra e, portanto, 2261 entrevistados, dos quais 38% são leitores, totalizando 859 leitores.

Em números absolutos, vemos que, na verdade, há mais leitores nas classes C, D e E do que nas classes mais altas. Por mais que uma porcentagem muito alta de pessoas das classes A e B sejam leitoras, elas representam uma porção muito pequena da amostra da pesquisa.

As classes C, D e E têm 4X mais leitores que as classes A e B

multidão imposto sobre livros

Supondo que as taxas de leitores levantadas pela pesquisa Retratos da Leitura no Brasil possam ser aplicadas à população brasileira em geral (207,6 milhões de habitantes, com suas divisões em classes sociais disponíveis na Pnad Contínua), temos um resultado impressionante:

  • Classes A e B: 30 milhões de habitantes, dos quais 65% (média) seriam leitores, totalizando 19,5 milhões de leitores.
  • Classe C: 115,3 milhões de habitantes, dos quais 53% seriam leitores, totalizando 61,1 milhões de leitores.
  • Classes D e E: 62,3 milhões de habitantes, dos quais 38% seriam leitores, totalizando 23,6 milhões de leitores.

Com esses dados em mãos, a afirmação de que apenas “ricos” leem não nos parece uma motivação válida para o fim da imunidade tributária do livro, mas, sim, uma consequência dele.

Quem tem direito ao livro?

mulher lendo

Então, que população realmente sofre se os livros aumentam de preço? Apenas as classes A e B, com 19,5 milhões de leitores? Ou as classes C, D e E, com 84,7 milhões de leitores?

O imposto sobre livros pode resultar em um aumento de até 20% no preço de capa das obras. No valor que eu e você pagamos por um livro. Taxar o livro, pensando que apenas a elite brasileira o lê, é caminhar para que isso se torne uma verdade. É negar acesso às classes baixas. É aumentar (e muito) o abismo social que separa uma classe da outra.

Devemos lutar pela igualdade de acesso. E não torná-lo mais difícil. Assine o abaixo-assinado. Divulgue a campanha em suas redes sociais. Converse a respeito com sua comunidade. Defenda o livro.

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