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Carlos Drummond de Andrade para crianças: poeta, amigo da natureza e defensor dos animais

resized Itau Cultural Carlos Drummond de Andrade Luiz Alphonsus Divulgacao

Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (Minas Gerais) em 31 de outubro de 1902. Apesar de ter sido um dos principais poetas do modernismo brasileiro (um amplo movimento cultural que bombou na cena artística e social na primeira metade século 20), a obra desse mineiro não se limita a formas e temas de movimentos específicos, pois aborda desde questões existenciais (vida e morte) até questões cotidianas, familiares e políticas, sempre em diálogo com as correntes da época em que viveu.

Crédito: Evandro Teixeira

Itabira

A memória da cidade natal, onde passou a infância, está presente em boa parte da obra de Carlos Drummond. Depois de sair de lá, estudou no Colégio Arnaldo, em Belo Horizonte, e em seguida, no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo. Na Universidade Federal de Minas Gerais, formou-se em Farmácia e fundou “A Revista” para divulgar o modernismo no Brasil.

Os poemas do início

Alguma poesia foi o primeiro livro de poemas de Drummond. Publicado em 1930, tem um título um tanto modesto. Foi editado lá em Minas e teve só 500 exemplares. Nele você pode encontrar poemas curtos e engraçados, como “Uma cidadezinha qualquer” e “O poema de sete faces”, que você vai ver na seleção que fiz. Outros livros importantes são Brejo das Almas (1934), Sentimento do Mundo (1940) e José (1942).

Porém, o livro decisivo do poeta é A rosa do povo (1945), seu quinto livro de poesia, considerado pela crítica um de seus livros mais fortes. Nele há 55 poemas, dentre os quais destaco “O elefante” (que ganhou uma edição ilustrada por Raquel Cané, lançada pela Companhia das Letrinhas). Todos os poemas desse volume foram escritos enquanto acontecia a Segunda Guerra Mundial: nessa época, Drummond vivia no Rio de Janeiro e era chefe de gabinete (algo como um secretário) do Ministro da Educação.  

A rosa do povo é o maior livro de poesia de Carlos Drummond de Andrade, com poemas mais longos, que até usam recursos dramáticos, parecidos com peças de teatro. Em outros poemas, Drummond traz de volta a “narratividade”, ou melhor, o contar uma história: coisa que sempre existiu na poesia, mas que o Modernismo deixou de lado.

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Do primeiro livro até A rosa do povo, os poemas de Carlos Drummond descrevem o cotidiano, o medo, a guerra e a vida desalinhada da cidade. Até esse momento de sua obra existe uma visão do mundo lírica e dramática, em que o conflito principal acontece entre o Eu e o Mundo. O Eu representa o indivíduo — que pode ser o poeta, você, eu, que escrevi este texto, qualquer pessoa que se identifique com os questionamentos pessoais, sociais ou metafísicos presentes no poema. Nesse sentido, podemos dizer que nos poemas de Drummond é possível identificar um personagem que o próprio poeta chama de gauche (se lê gôche), uma palavra francesa que significa “esquerda”, mas que também é utilizada para se referir a pessoas desajeitadas, tímidas, em conflito com o mundo, como acontece na obra drummondiana e está explícito nos versos de “O poema de sete faces”:

Quando eu nasci, um anjo torto
desses que vivem à sombra, disse:
— Vai, Carlos, ser gauche na vida

Universo labiríntico

Crédito: Itaú Cultural

Com uma grande importância poética e histórica na obra de Drummond, A rosa do povo é uma porta para ingressar na fase seguinte do poeta, porque, a partir de Claro Enigma (1951), temos o momento em que ele assume um tom mais existencial, com uma poesia menos ligada aos fatos do dia a dia e mais interessada na essência da vida.

Assim, as primeiras publicações de Carlos Drummond servem como porta para entrarmos no universo labiríntico do poeta de Itabira que, embora tenha trabalhado como funcionário público durante a maior parte da vida, começou a escrever cedo.

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Defesa dos animais

Além de poesia, Drummond produziu também literatura infantil, contos e crônicas. Nem todo mundo sabe que, ao longo de sua carreira literária, o poeta defendeu a vida animal com os meios ao seu alcance. Vocês vão ver que os bichos estão presentes em sua obra. O seu último poema, “Elegia a um tucano morto”, escrito no fim de janeiro de 1987, é um canto trágico à breve vida de um tucano retirado de seu habitat.

Carlos Drummond de Andrade prosseguiu escrevendo até sua morte, em 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro.

Abaixo você vai encontrar 10 textos, entre poemas, contos e crônicas que selecionei com muito carinho, com a esperança de aguçar a sua curiosidade.

Conheça 10 textos de Carlos Drummond de Andrade

1 . No meio do caminho

“No meio do caminho” é uma das obras-primas de Carlos Drummond de Andrade. Seus versos foram publicados em 1928, na Revista Antropofagia e dizem respeito aos obstáculos que encontramos na vida.

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

2. O poema de sete faces

“O poema de sete faces”, publicado em Alguma Poesia (1930), é uma das composições mais populares de Carlos Drummond de Andrade. Nele podemos observar sentimentos de inadequação e solidão do indivíduo apresentados num tom sensível, capaz de explorar emoções e dores atemporais. Por esse motivo, o poema continua sendo amado pelo público, no qual também me incluo!

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

[…]

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode,

[…]

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

[…]

3. Cidadezinha qualquer

“Cidadezinha qualquer”, também publicado em Alguma poesia (1930), é um poema formado por três estrofes que, a partir da repetição de uma palavra, evidencia a forma vagarosa que caracteriza as cidades do interior. Seria uma homenagem a Itabira?

Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
 
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
 
Devagar… as janelas olham.
 
Eta vida besta, meu Deus.

4. José

“José”, publicado no livro homônimo José (1942), é outro dos poemas mais populares de Drummond, sendo transformado em samba-enredo pela Mangueira em 1978. A escola foi a campeã do carnaval carioca de 1987 com o samba-enredo “O reino das palavras”, com o qual homenageou o poeta.

E agora, José? 
A festa acabou, 
a luz apagou, 
o povo sumiu, 
a noite esfriou, 
e agora, José? 
e agora, você? 
você que é sem nome, 
que zomba dos outros, 
você que faz versos, 
que ama, protesta? 
e agora, José?  
 
[…]

5. O elefante

Presente em A rosa do povo (1945), “O elefante” ganhou ilustração de Raquel Cané e foi direcionado ao público infantil. Nesse poema, encontramos um elefante em busca de si e de seu lugar no mundo. Tenho para mim que ele encanta pequenos e grandes leitores, por meio de uma jornada de descobertas e recomeços. Aqui você vai ler um fragmento, mas pode ouvi-lo na íntegra recitado pela Adriana Calcanhotto, no link recomendado no final deste artigo.

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.
Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.
[…]
Monumento homenageando o autor na cidade do Rio de Janeiro. Crédito: Prefeitura do Rio

6. Memória

É possível que você já tenha ouvido este singelo poema intitulado “Memória”, publicado em Claro Enigma (1951). O tempo é breve e a vida passa com um piscar de olhos. Quase nada permanece e a memória retém o que é importante para cada pessoa. O resto se perde.

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

7. O pintinho

“O Pintinho” é uma crônica que foi publicada em 1955 no jornal Correio da Manhã, na Seção Imagens do Tempo. O texto faz uma crítica às pessoas que se interessam pelas coisas (nesse caso, um animal) apenas por estarem “na moda” e que depois são esquecidas por quem as consome. Aqui você vai ler apenas o começo da história, podendo encontrá-la na íntegra no link recomendado no final deste artigo.

Foi talvez de um filme de Walt Disney que nasceu a moda de enfeitar com pintinhos vivos as mesas de aniversário infantil. Era uma excelente ideia, no mundo ideal do desenho animado; conduzida para o mundo concreto dos apartamentos, também alcançou êxito absoluto. Muitos garotos e garotas jamais tinham visto um pinto de verdade, e queriam comê-lo, assim como estava, imaginando ser uma espécie de doce mecânico, mais saboroso. Houve que contê-los e ensinar-lhes noções urgentes de biologia. As senhoras e moças deliciaram-se com a surpresa e gula dos meninos, e foram unânimes em achar os pintos uns amorecos. Mas estes, encurralados num centro de mesa, entre flores que não lhes diziam nada ao paladar, e atarantados por aquele rumor festivo e suspeito, deviam sentir-se absolutamente desgraçados.
 

8. Os bichos chegaram

Para os jovens leitores, a crônica “Os bichos chegaram”, publicada em 1977 também no Correio da Manhã, mostra a face pouco conhecida de Carlos Drummond, amante da natureza e defensor dos animais, como você pode ver no trecho abaixo:

A verdade é que estamos participando de um ato de amor entre bichos e gente, em termos de habitação conjunta. Já não atacamos os animais nem somos agredidos por eles. Confraternização é a palavra. Vieram morar conosco, oferecemos-lhe as partes mais nobres da casa, aceitaram muito naturalmente, e o polvo não é mais jantado por nós. Assiste ao nosso jantar, de seu lugar de honra, bem visível. E como é belo, nada assustador, o seu tentáculo porte!

9. História de Dois Amores

História de Dois Amores (1985) é um conto sobre Osbó, um elefante super de bem com a vida e sua amizade com um pulgo chamado Pul. Em 2013, pela Companhia das Letrinhas, ganhou ilustrações do Ziraldo, e este ano foi reeditado pela Record, com nova capa e imagens inéditas. Eis um fragmento da história:

O elefante nem percebeu que levava um pulgo atrás da orelha. Ou, se percebeu, não deu a menor importância. Mesmo porque ele estava pensando num assunto de que iria tratar mais longe. O assunto era o seguinte: ia pedir a um colega que fizesse o favor de ocupar o seu posto de chefe dos elefantes da manada, enquanto ele tirava umas férias bem merecidas no Rio de Janeiro, a convite do Clube dos Elefantes Cariocas, que lhe contara maravilhas sobre a praia de Ipanema e outros encantos da cidade.

10. Rick e a Girafa

“Rick e a Girafa” está na coletânea de crônicas, poemas e contos O gato solteiro e outros bichos, em uma edição ilustrada publicada pela Record em 2022. Nesse livro, direcionado para o público infantil e juvenil, continuamos a acompanhar o engajamento de Carlos Drummond na defesa da natureza e dos animais.

No Jardim Zoológico, neste domingo azul, a girafa olha do alto para as crianças, e parece convidá-las a um passeio no dorso. Há uma escada perto, e se for encostada ao animal, Ricardo (Rick é o seu apelido) poderá chegar até lá.
O garoto mede a distância que vai do chão ao lombo, e julga-se em condições de vencê-la. Uma vez lá em cima, cavalgando o pescoço, e segurando-lhe os chifres, pedirá à girafa, depois de umas voltas pelo Jardim, que o leve por aí, percorrendo o mundo.

Como você deve ter notado, Carlos Drummond de Andrade é um poeta completo. Tratou de temas sobre o delicado equilíbrio entre passado e presente, o amor, a brevidade da vida e os problemas do mundo, pois foi um homem que sempre quis fazer parte de seu próprio tempo.

Ler Drummond é mais do que um prazer poético, é também um exercício de responsabilidade e compreensão das coisas da vida.  

Referências

Estante Quindim

Conheça 3 livros de Carlos Drummond de Andrade já enviados pelo Clube Quindim

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