O elefante do poeta não é de uma espécie animal — ele é feito à fantasia, uma carcaça oca de madeira tirada de velhos móveis, ripas, um brinquedo que vai pouco a pouco se cobrindo de algodão e paina que num novelo de linha tecerá um tecido. O elefante de Carlos Drummond de Andrade é essa imagem que se tira talvez da memória de um elefante de verdade, visto num circo, num álbum de figuras, numa página de enciclopédia. O elefante é a própria memória, a existência imensa que a certa altura da vida — na infância ou na velhice — poderia ser um peso, mas é leve e doce a sair de casa com suas orelhas pensas, com o rabo que se desgarra do bicho, com a presa de uma brancura impossível de fazer com qualquer material à mão.
Pesado mesmo é o mundo, a corrupção, outras fraudes e faltas, a solidão de quem não tem amigos — ainda não os tem ou já não os tem mais. A dureza da vida vem da rua, também vem das palavras e notícias que passam na televisão, das histórias que não tem conclusão nem justiça... Mesmo assim o elefante passeia este dia, passeia o dia seguinte, resistente.
É esta ambiguidade gostosa que permite que um poema como O elefante, tão cheio de amor, despregue-se das páginas de A rosa do povo (1945) e venha habitar os livros para crianças, contra o cotidiano enfastiado que já não crê em bichos, natureza, alma, poesia. De tanto em tanto dos versos, as ilustrações de Raquel Cané destaca materialidades diversas com que um elefante pode ser feito. Drummond tinha a fumaça da Guerra em seus olhos! É preciso remontar o brinquedo, o elefante de nossas esperanças.