Ninguém gosta de se sentir frustrado. Embora essa seja uma verdade inquestionável, ela não impede que tenhamos que lidar com esse sentimento ao longo da vida. A frustração surge desde a primeira infância, e a criança começa a experimentar diferentes formas de enfrentar o “não!” e a sensação desagradável de não conseguir o que deseja no momento.
Vivenciar esse desconforto na infância está diretamente relacionado ao desenvolvimento de recursos emocionais que ajudam a criança a criar tolerância à insatisfação causada por expectativas não atendidas, além de aprender a recomeçar. No entanto, esse processo nem sempre é fácil para os pequenos.
Mas o que é frustração?
A frustração é uma resposta emocional diante de impedimentos que possam surgir para a realização de um desejo ou que não correspondam a alguma expectativa. Geralmente, quando o resultado não cumpre com o esperado, o indivíduo tende a se sentir sem o controle da situação, o que pode causar ira, aborrecimento, acessos de raiva, tristeza e, nos pequenos, birra e choro.
“Com a frustração, a criança acessa seu cérebro primitivo. Ela não tem o córtex pré-frontal completamente estruturado, que é onde as emoções são reguladas e há as decisões mais estratégicas de como lidar com elas. Por isso, a emoção vem, toma conta dela e ela se joga no chão e chora, por exemplo”, explica Fernanda Teles, psicóloga e educadora parental.
É nesse momento que os pais precisam intervir para que o filho comece a desenvolver recursos emocionais para lidar com esse sentimento que é colocado para fora principalmente por meio da raiva na primeira infância.
Segundo Teles, isso só é possível por meio do acolhimento infantil – o que não significa ceder ao que a criança quer para que ela pare de chorar. É importante dizer ao pequeno que entende ele estar frustrado, nomear o que ele está sentindo e oferecer conforto como um abraço e colo a fim de ajudá-lo a se regular.
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Isso ajuda a criança a entender, aos poucos, que viver com limites (e, mais tarde, saber colocá-los, quando necessário) não significa que ela não é amada. Muito pelo contrário: tais experiências a ajudam a criar resiliência e desenvolver estofo para lidar com desafios futuros de forma mais equilibrada, sem colocar em xeque seu valor pessoal.
“Só é preciso ter em mente que não precisamos criar situações para frustrar as crianças, como os castigos. As situações cotidianas da vida já são o suficiente. A firmeza nas regras e nos limites precisa ser mantida, mas, ao mesmo tempo, com compreensão, carinho e gentileza”, enfatiza a psicóloga e educadora parental.
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Acolhimento não é permissividade
Teles reforça que dificilmente uma criança não viverá situações de frustração na infância. Mas o perigo está quando os pais, por não quererem lidar com a agressividade e o choro dos filhos, acabam cedendo às vontades do pequeno.
“A permissividade é tão perigosa quanto o autoritarismo. Se uma criança tem tudo o que quer, o tempo todo, ela pode ter dificuldade em lidar com contratempos na adolescência e na fase adulta, comportamentos mais egoístas e não admitir de forma alguma ser contrariada”, exemplifica a especialista.
Isso pode fazer com que, quando adulto, seu filho ou filha não consiga permanecer no trabalho quando algo não sair como o esperado, tenha dificuldade em estabelecer relações com pessoas que não façam apenas o que ele quer e sofra significativamente durante esses processos.
“A criança é como um rio, muito fluido, abundante de energia e força. Só que se ele não tem limite, ele não é rio mais. A água simplesmente vai embora”, reflete Teles.
O contrário também pode ser perigoso. O ‘não!’ excessivo, em um cenário que a criança não consegue expressar o que sente, pode levá-la a desenvolver sentimentos de baixa autoestima, associados à sensação de não se sentir amada e aceita. Ela também pode ter dificuldade de iniciativa, pouca criatividade e comportamentos completamente passivos, de aceitar tudo o que o outro fala.
Entende-se, então, que o equilíbrio continua sendo a chave para uma educação acolhedora e efetiva, sem permear os extremos.
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5 formas de ajudar a criança a lidar com a frustração
Quando o assunto é aprender a lidar com as próprias emoções, a teoria pode ser mais fácil do que a prática – principalmente quando falamos de crianças. Mas há pequenos passos que podem ser dados, diariamente, que ajudam a transformar esse cenário gradativamente a fim de que eles se tornem adultos mais conscientes sobre os próprios sentimentos. Veja, a seguir, cinco deles:
1. Nomeie o que é frustração para o pequeno
Ainda que a sensação da frustração apareça desde cedo, isso não significa que a criança terá facilidade de reconhecê-la, uma vez que é um estado associado a outras emoções mais primárias, como a tristeza e a raiva. É nesse momento que entra o adulto.
Cabe aos pais ajudarem os filhos a entenderem que o que estão sentindo é frustração e, para isso, é fundamental descrever o que é essa circunstância que o ser humano pode viver e as sensações que ela causa. É importante também reforçar para a criança que a insatisfação é um sentimento que afeta a todos e que ela não faz do pequeno alguém melhor ou pior – ela apenas o torna real.
2. Acolha a insatisfação da criança com palavras e carinho físico
A primeira resposta infantil a frustração é a raiva e tristeza, resultando em choro e gritos. No ápice da angústia, dificilmente será possível conversar com a criança. Mas os pais podem perguntar se ela quer um abraço para tentar se acalmar ou ficar no colo até se regular.
O afeto não significa que o pequeno está sendo mimado e, por isso, não saberá lidar com a frustração no futuro. Esperar que a criança se regule sozinha, sem ter recursos para isso, é como vê-la com o braço machucado e, ao invés de fazer um curativo, abrir ainda mais a ferida.
Cuidar do ferimento não vai fazer com que o pequeno esqueça que ele se machucou. O mesmo se aplica a frustração: ter sido acolhido durante o processo não muda o fato de que ele experimentou o sentimento ou que ouviu um “não!”.
Quando a criança se acalmar, um novo diálogo pode ser estabelecido a fim de explicar para ela que as emoções sentidas anteriormente derivam de um estado humano chamado frustração.
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3. Seja um bom exemplo de como lidar com a frustração
Mais do que ouvir, a criança aprende melhor com uma boa referência e pode copiar o que vê sendo colocado em prática. Em outras palavras, os filhos precisam ver os pais sendo bons exemplos de como lidar com a frustração. Não por acaso, é importante que o adulto revisite a maneira que ele age quando é contrariado para que não teorize algo para a criança que ele mesmo não pratica.
O exemplo para o pequeno pode vir da verbalização da mãe sobre o que ela está se sentindo ao se perceber frustrada e o que faz para contornar a situação, como sair para andar e espairecer, conversar com um amigo de confiança e até mesmo chorar, se for necessário.
O momento mostra-se propício para explicar que o choro não é um inimigo. Ele só não é a única solução para lidar com emoções difíceis.
4. Aposte em recursos lúdicos para dialogar sobre o que é se sentir frustrado
A contação de história, com personagens favoritos do pequeno passando por situações de frustração, pode ser um recurso valioso. Ela permite que ele reconheça suas próprias emoções sem estar no meio da crise e entenda que a insatisfação é uma parte natural da vida.
Teles também sugere jogos, de acordo com cada faixa etária, em que um participante ganha e o outro perde. Essa dualidade é importante para estabelecer para a criança que a sensação de raiva ou tristeza sentida ao não ser vitoriosa está relacionada à frustração. Mas que, ainda assim, ela pode tentar de novo, se quiser, porque o resultado pode ser diferente – algo para nós, adultos, também não nos esquecermos!
5. Lembre a criança (e a si mesmo) que lidar com novos sentimentos é um processo
Embora este passo a passo do que fazer possa ajudar pais e filhos a lidarem com a frustração de forma mais leve, a evolução tanto infantil quanto adulta não é linear.
Isso significa que as birras podem não cessar logo de cara, mas é preciso confiar no processo. Para isso, revisite situações desafiadoras anteriores do seu filho, que você pensou que não ia passar, mas passou! A trajetória, muitas vezes, é mais necessária do que a chegada em si.
Estante Quindim
Conheça 3 livros infantis que tratam sobre momentos de frustração e são ótimas formas de iniciar um diálogo com as crianças: