Os avanços rumo à equidade entre os gêneros ainda são tímidos e, frequentemente, o sentimento é de que para cada passo dado adiante, são dados outros dois (ou mais) para trás. Quando a questão é a licença-paternidade e as responsabilidades envolvidas nos cuidados com um bebê recém-nascido, ou com uma criança que acaba de ser adotada, o tabu permanece firme e muito, muito forte.
Todos sabemos como está estruturalmente enraizado na sociedade o pensamento equivocado de que apenas (ou prioritariamente) mulheres podem e devem ser responsáveis pelos cuidados com crianças.
Para a sociedade em geral, mulheres que cuidam dos filhos não fazem mais do que a obrigação, além de contar com uma série de vantagens (imaginárias) que facilitam muito o trabalho: mulheres são, por natureza, amorosas, delicadas e instintivamente habilidosas nos cuidados com as crianças.
Há, ainda, a suposta capacidade de executar diversas tarefas ao mesmo tempo, o que nada mais é do que fruto da mais pura necessidade de alguém que sabe que, se não fizer algo, esse algo simplesmente não será feito – ou, então, será feito por outras mulheres.
Enquanto isso, a esmagadora maioria dos homens não cuidam dos filhos e não participam ativamente de suas rotinas. O embasamento para essa decisão são os mais diversos argumentos furados, como: precisam trabalhar para sustentar a família, estão cansados e estressados, são muito brutos ou simplesmente não levam jeito.
Os pais verdadeiramente participativos na criação de seus filhos recebem, sem grande esforço, uma infinidade de adjetivos: são maravilhosos, incríveis, superpais, paizões. Quando erram, são previamente perdoados porque, afinal, quem devia estar presente era a mãe.
Essas constatações nos fazem ter certeza de que são muitas as frentes de diálogo e ação necessárias para efetivamente transformar o papel de homens e mulheres na sociedade, especialmente no que diz respeito aos cuidados com os filhos.
Mas você sabe o que está sendo feito a respeito do período de dias e meses após a chegada de uma criança na família, que requer dedicação total de adultos? O clube de assinatura Quindim traz a reflexão a seguir.
Como funciona a licença-maternidade e licença-paternidade atualmente
De acordo com a lei trabalhista, a licença-maternidade garante que a mulher possa se manter afastada do trabalho, sem risco de perder o emprego e sem prejuízos ao salário, por um período de 120 dias após o nascimento da criança (que pode ser prorrogado mediante recomendação médica). A estabilidade do emprego se encerra cinco meses após o parto, o que inclui, portanto, o período da licença.
Já a licença-paternidade é de 5 dias corridos após o nascimento do bebê ou da chegada da criança adotada. No caso das empresas que optam por fazer parte do chamado Programa Empresa Cidadã, esses períodos são ampliados para 180 dias, no caso das mães, e 20 dias, para os pais.
Segundo um estudo conduzido pelo Talenses Group em parceria com a consultoria Filhos no Currículo no ano de 2020, que ouviu mais de 700 profissionais responsáveis pela temática da maternidade e paternidade em suas empresas, apenas três em cada 10 empresas oferecem a licença-maternidade estendida no Brasil. No caso da licença-paternidade, esse número é reduzido para dois.
No que diz respeito aos programas oferecidos para mulheres que se tornam mães, 55% das empresas não desenvolvem nenhum tipo de ação nesse sentido. Quando o foco são os pais, o índice é ainda maior e chega a impressionantes 68,3%.
A resistência em ampliar o período da licença-paternidade e os benefícios para homens que se tornam pais existe tanto por parte das empresas, que não sabem nem procuram saber o lado bom das mudanças que a prática pode trazer, quanto por parte dos próprios homens. Sua satisfação, inclusive, pode possibilitar um funcionário feliz à empresa que promova essa prática, melhorando seu próprio rendimento pessoal.
Por vezes, o receio em usufruir dos benefícios se dá pelo medo de perder o emprego ou o espaço conquistado no trabalho (o que acontece com praticamente todas as mulheres). Outras tantas, a motivação é o pensamento machista que aponta que quem deve dar conta das crianças é apenas e tão somente a mulher.
Mudar o discurso e, sobretudo, a prática
Quem nunca ouviu frases como “a mãe é que sabe”, “mulher leva mais jeito com essas coisas” e “eu só pago as contas, não sei de mais nada”? Elas representam e reforçam o conceito totalmente incorreto de que homens são incapazes de cuidar de crianças, de dividir as tarefas da casa e de conciliar atividades profissionais com a manutenção do lar e a criação dos filhos.
Quando uma mulher que possui uma relação de trabalho formal engravida e se afasta para dar à luz, todos esperam que ela paralise suas atividades laborais por, pelo menos, 4 meses. Durante esse período, além de estabelecer e fortalecer o vínculo com a criança, há um universo de outras coisas que são necessárias, como consultas médicas de emergência e de acompanhamento, idas ao posto de saúde ou à clínica para manter a vacinação em dia, estímulos diários para que o bebê se desenvolva conforme o esperado para a idade, cuidados com a alimentação, higiene e muito mais.
O pai, frequentemente, assume o papel de coadjuvante e dedica ao bebê alguns poucos minutos quando retorna do trabalho. Geralmente, esse período é preenchido com brincadeiras e pequenas distrações, e não com tarefas como dar banho, comida e medicamentos, por exemplo.
Enquanto isso, a mãe – que não descansa – usa o “tempo livre” para dar conta das tarefas de casa que ficaram acumuladas ao longo do dia e que nunca se esgotam, como lavar e estender roupas, cozinhar, cuidar da louça, limpar e organizar a casa.
Muitos homens ainda insistem em dizer que não fazem mais porque a mulher “não deixa”, ou que basta dizer o que é preciso ser feito para que eles, enfim, o façam.
Se esse comportamento é em grande parte fruto de uma sociedade machista que reproduz comportamentos e falas que não condizem com a realidade, é fato também que uma licença de 5 dias ou no máximo 20 não contribui para a inserção do pai na rotina da casa e dos cuidados com os filhos.
Segundo um levantamento da ONG Save The Children, em países como Noruega, Finlândia, Islândia, Dinamarca e Suécia, os períodos de licença-maternidade e paternidade são flexíveis e podem ser adaptados de acordo com as necessidades de cada família. No entanto, há um período de dias onde o afastamento do trabalho é obrigatório também para os pais, ou seja, não se presume que o bebê ficará a cargo apenas da mãe.
Veja também: Paternidade ativa: o que falta para os pais se envolverem mais?
As mudanças que desejamos
Aqui no Brasil, algumas organizações vêm buscando conscientizar os pais sobre o quão enriquecedor é o convívio próximo e a participação ativa na vida dos filhos. O Instituto Promundo, por exemplo, busca contribuir para que os pais deixem o papel exclusivo de provedores do lar e passem a se fazer mais presentes, cuidadosos e atentos aos filhos em suas necessidades e experiências do dia a dia.
Um estudo qualitativo realizado pelo Promundo em 2021 oferece insights interessantes sobre a visão de homens, mulheres e empresas sobre a extensão da licença-paternidade. Entre as causas apontadas para uma participação menor de homens na rotina de cuidados com os filhos estão as normas sociais, a realidade econômica, leis e políticas que reforçam que esse é, majoritariamente, um papel feminino.
Para conquistar mudanças efetivas nas empresas, é preciso simultaneamente mudar a mentalidade dos indivíduos. Somente quando os homens perceberem todos os benefícios da relação próxima entre pais e filhos será possível avançar efetivamente em direção à equidade de gêneros.
Além disso, incluir os homens nos cuidados rotineiros com crianças desde o seu nascimento é uma maneira eficaz de dividir a carga mental envolvida na educação dos pequenos, que fica quase sempre com as mulheres.
Esse, que é um trabalho ininterrupto e invisível, sobrecarrega, exaure e subjuga mães ao redor do mundo, impossibilitando que elas possam investir mais tempo, dinheiro e energia em si mesmas, em seus trabalhos e estudos, o que, por sua vez, contribui para aumentar ainda mais a desigualdade de gênero.
Para quebrar o ciclo, não basta apenas empoderar mulheres. É preciso, também, incluir homens e meninos na luta pelas mudanças que desejamos. Assim, eles poderão fazer a sua parte e se tornarão aliados conscientes no processo de rever e transformar a visão que o mundo e cada um de nós temos sobre os papéis de homens e mulheres, pais e mães.