É terça-feira, 11h da manhã e estou saindo atrasada para levar meu filho mais velho, de 7 anos, para a terapia. Antes disso, dei café da manhã para os dois – o caçula tem 1 ano e meio –, tomei banho e me arrumei, li as notícias do dia, ajudei o mais velho com a lição, respondi e-mails e mensagens profissionais por WhatsApp, passei no banco e na farmácia, montei os lanches para a escola, combinei a rotina com a Carmelita, que nos ajuda em casa, e minha mochila para o dia – um dia que vai terminar 23h, depois que eu sair de uma aula do mestrado.
Eu reconheço que sou privilegiada. Sou separada, mas tenho um ex-marido muito parceiro, tenho rede de apoio, amigos, trabalho e flexibilidade para conciliar a casa, o serviço e uma pós muito sonhada, mas a sensação constante é de insuficiência: parece que sempre ficou algo por fazer ou que esqueci de alguma coisa. No uber para a terapia, investigo mentalmente o que poderia ter ficado para trás. Meu filho me ajuda, fazendo algumas suposições. Depois aproveito para checar os e-mails pelo celular e ele conta sobre uma série que viu na casa do pai. Chegamos ao destino e, durante os segundos em que esperamos a Luiza, a terapeuta, abrir a porta, saco o celular mais uma vez. Meu filho diz: “Mãe, não olha o celular agora”. E eu: “Por que não?”. Ele: “A Luiza vai ver”. E eu: “Mas e daí?”. E ele: “E eu não acho legal”. Gabriel 1 X 0.
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O que falta?
Vivemos em um mundo conectado e veloz. E ele tem uma natureza bem ambígua: por um lado, porque temos e-mail e WhatsApp, posso trabalhar duas vezes por semana em casa, perto dos meus filhos; por outro, nunca estou realmente longe do trabalho – mesmo que fisicamente eu esteja. Nossos smartphones nos seduzem porque, a um toque, você pode se conectar com uma amiga, ler a notícia de que todo mundo está falando ou resolver uma pendência profissional.
Justamente por isso parece que vivemos em constante senso de urgência: quando você está desconectada é como se a vida estivesse acontecendo e, a cada minuto, você ficasse mais desatualizada e menos preparada para o trabalho e para a vida em geral – uma angústia que aumenta nesses tempos de crise, em que parece ser necessário fazer valer seu talento ou sua vontade de trabalhar a cada segundo, ainda mais se você for uma mãe, como é o meu caso.
Se você tiver sorte, trabalhar será concretizar o que você construiu academicamente e realizar um sonho, talvez até fazer a diferença na vida de alguém ou deixar uma pequena marca que sobreviva à sua existência. No entanto, para a maior parte das pessoas trabalhar é meramente garantir sobrevivência e resistir diante das altas demandas de uma cidade como São Paulo, com altos custos de transporte, educação e saúde – e quando se tem filhos tudo isso aumenta, porque cada escolha parece impactar no futuro deles.
Há, por outro lado, uma discussão que tem crescido e que fala sobre a importância de ampliar a presença materna e paterna, especialmente na primeira infância. O documentário “O Começo da Vida” fala sobre isso, enquanto mostra cenas muito bonitas de interação familiar, mas que, a mim, parecem um pouco inacessíveis: sabemos que é fundamental estar mais com os filhos, sabemos o quanto esse convívio pode ser prazeroso, mas como conciliar isso com o sustento financeiro e as demandas do mercado, que pedem que sejamos profissionais cada vez mais disponíveis, mais atualizados e preparados?
Tenho certeza de que essa angústia não é só minha, e várias pesquisas reiteram: uma delas, desenvolvida pelo Instituto QualiBest e pelo site Mulheres Incríveis em 2016, concluiu que para 70% das entrevistadas a vida da mãe brasileira é difícil – 70% delas associaram essa dificuldade à falta de dinheiro, 60% à falta de tempo para si e 51% disseram que gostariam de se dedicar mais ao trabalho. A culpa também imperou: 55% se sentiam culpadas por não darem aos filhos o que achavam que eles mereciam, 36% se culpavam por perder a paciência frequentemente e 32% por não brincarem com as crianças.
O resultado? Estamos tentando fazer tudo ao mesmo tempo e agora. Estamos cansadas e sobrecarregadas, com a sensação constante de que esquecemos de algo ou de que algo ficou para trás. Dar conta da rotina é um desafio enorme, mas ainda assim é preciso equilibrar as exigências profissionais, pessoais e as necessidades dos filhos. O tempo não para. E no meio disso tudo eu pergunto: e as mães? Quem se preocupa com a gente?
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Enquanto o Gabriel faz sua sessão de terapia eu trabalho na sala de espera. Ele sai uma hora depois e eu guardo o computador apressada na bolsa. Agora temos mais meia hora para chegar até a escola. Ele sai animado e, no elevador, fala: “Você não se divertiu, né?”. Eu: “Como assim? Na sua sessão?”. Ele: “É, se tivesse entrado você ia se divertir. Você não se diverte nunca”. Dou risada. Ele fala de um jeitinho adulto e não percebe a dimensão daquilo que diz – ou percebe, vai saber. Ele: “É sério. Você tá sempre assim (imita uma pessoa com o celular grudado na cara). Até antes de dormir”. Rio mais. Ele também. Gabriel 2 X 0.
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