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10 poemas de Cora Coralina para apresentar às crianças

NOVO PADRAO Capas Revista Quindim 11

Cora Coralina é uma das autoras essenciais para conhecer, compreender e se apaixonar pela literatura e pela poesia brasileiras. É alguém cuja obra merece ser visitada e revisitada sempre, como para matar as saudades de um amigo querido que jamais queremos ver distante.

Seus versos despertam em nós toda a emoção da poesia que se esconde no cotidiano mais simples, e o encantamento pela beleza que se pode apreciar sentado em um banco de praça comum, em alguma cidadezinha localizada no interior do país – e de nós mesmos.

Neste artigo, vamos conhecer um pouco mais sobre essa escritora cuja vida singela não teve nada de banal, a começar pela publicação de seu primeiro livro, que aconteceu quando somava quase 76 anos de idade. Vamos, também, recomendar 10 poemas para ler com as crianças e criar, junto delas, memórias de poesias inesquecíveis por toda a vida.

Veja também: 8 autores de literatura infantil que toda criança merece conhecer

Qual a história de cora Coralina?

Nascida em Goiás, em 1889, Cora Coralina teve como nome de batismo Anna Lins dos Guimarães Peixoto Bretas. O pseudônimo que a tornou eterna para a história e também para os corações dos apaixonados por literatura foi adotado apenas em 1910, ao publicar um de seus contos em um jornal local.

Monumento homenageando a escritora em sua terra natal, Goiás (GO). Crédito: Divulgação/Prefeitura da cidade de Goiás

Em seus primeiros anos, Cora experimentou uma vida muito humilde, distante dos centros urbanos e da agitação das grandes cidades. Trabalhou como doceira, enquanto aguardava o leilão da casa onde a família sempre morou, e que hoje aguarda o museu em sua homenagem. Mesmo sem completar seus estudos, manteve o hábito da observação atenta do cotidiano, lendo, escrevendo e publicando várias vezes nos jornais locais. Seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais, veio a ser publicado apenas em 1965, quando a poeta tinha quase 76 anos de idade e muitas histórias para contar.

Cora conheceu e se apaixonou por Cantídio Tolentino Bretas, um homem mais velho, que já havia se casado e separado anteriormente. Apesar da reprovação da família e da sociedade na época, os dois ficaram juntos em 1911 e tiveram seis filhos, dois dos quais faleceram logo após o nascimento. Já com uma produção literária considerável e bastante relevante, chegou a ser convidada para participar da Semana de Arte Moderna de 1922, mas foi impedida pelo marido. Quando a poetisa ficou viúva, em 1934, passou a vender livros para a Editora José Olympio, além de colaborar frequentemente com o jornal O Estado de S. Paulo.

Ao completar 66 anos e já de volta a Goiás, Cora abandonou de vez seu nome de batismo, assumindo permanentemente aquele que, antes, era somente seu pseudônimo. Mais tarde, referiu-se a esse momento como um período de intensas transformações, caracterizado sobretudo pela perda do medo. Escreveu muitos poemas relacionados aos acontecimentos de sua vida, ao cotidiano da cidade e à rotina no lugar onde nasceu e foi criada.

Em 1976, a obra Meu livro de cordel foi publicada e o trabalho de Cora Coralina chegou a ninguém menos do que Carlos Drummond de Andrade. Quatro anos mais tarde, em 1980, ela passou a ser conhecida também em todo o país, quando a segunda edição de seu primeiro livro, Poemas dos becos de Goiás e estórias mais foi elogiada por ele em um texto escrito para uma edição do extinto Jornal do Brasil.

A poeta recebeu muitos reconhecimentos por sua produção, incluindo o título de Doutora Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás e uma Ordem do Mérito no Trabalho, concedida pelo então presidente João Figueiredo, ambos em 1983. Recebeu, também, o Grande Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1984, e a condecoração com a classe Grã-Cruz da Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo Ministério da Cultura, em 2006.

A contribuição de Cora Coralina especificamente para a literatura infantil se deu de maneira póstuma: os livros infantis Meninos Verdes (1986), A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu (1999) e O Prato Azul-Pombinho (2002) foram todos publicados após o seu falecimento, que ocorreu em 1985.

Veja também: Carlos Drummond de Andrade para crianças

Poemas para apresentar Cora Coralina às crianças

Crédito: foto reprodução do documentário “Cora Coralina – Todas as Vidas”

Apresentar poemas para crianças é importante não apenas para que elas conheçam e descubram um importante gênero literário, do qual o Brasil tem muitos representantes fundamentais. Mas, também, porque a poesia oferece uma oportunidade valiosa para diminuir o ritmo, contemplar a vida e refletir sobre nossas emoções.

Confira, a seguir, algumas sugestões de poemas de Cora Coralina que você pode ler com as crianças e pequenos trechos para se encantar.

1. Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir…

Ajuntando novas pedras

e construindo novos poemas.

Recria tua vida, sempre, sempre.

Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.

Faz de tua vida mesquinha

um poema.

E viverás no coração dos jovens

e na memória das gerações que hão de vir.

Esta fonte é para uso de todos os sedentos.

Toma a tua parte.

Vem a estas páginas

e não entraves seu uso

aos que têm sede.

2. Coração é terra que ninguém vê

Quis ser um dia, jardineira

de um coração.

Sachei, mondei – nada colhi.

Nasceram espinhos

e nos espinhos me feri.

Quis ser um dia, jardineira

de um coração.

Cavei, plantei.

Na terra ingrata

nada criei.

Semeador da Parábola…

Lancei a boa semente

a gestos largos…

Aves do céu levaram.

Espinhos do chão cobriram.

O resto se perdeu

na terra dura

da ingratidão

Coração é terra que ninguém vê

– diz o ditado.

Plantei, reguei, nada deu, não.

Terra de lagedo, de pedregulho,

– teu coração. Bati na porta de um coração.

Bati. Bati. Nada escutei.

Casa vazia. Porta fechada,

foi que encontrei…

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3. poesia de natal

Enfeite a árvore de sua vida
com guirlandas de gratidão!
Coloque no coração, laços de cetim rosa,
amarelo, azul, carmim,
Decore seu olhar com luzes brilhantes
estendendo as cores em seu semblante

Em sua lista de presentes
em cada caixinha embrulhe
um pedacinho de amor,
carinho,
ternura,
reconciliação,
perdão!

Tem presente de montão
no estoque do nosso coração
e não custa um tostão!
A hora é agora!
Enfeite seu interior!
Sejas diferente!
Sejas reluzente!

4. Meu destino

Nas palmas de tuas mãos

leio as linhas da minha vida.

Linhas cruzadas, sinuosas,

interferindo no teu destino.

Não te procurei, não me procurastes –

íamos sozinhos por estradas diferentes.

Indiferentes, cruzamos

Passavas com o fardo da vida…

Corri ao teu encontro.

Sorri. Falamos.

Esse dia foi marcado

com a pedra branca

da cabeça de um peixe.

E, desde então, caminhamos

juntos pela vida…

5. O prato azul-pombinho (*trecho do poema)

Minha bisavó – que Deus a tenha em glória-
sempre contava e recontava
em sentidas recordações
de outros tempos
a estória de saudade
daquele prato azul-pombinho.

Era uma estória minuciosa.
Comprida, detalhada.
Sentimental.
Puxada em suspiros saudosistas
e ais presentes.
E terminava invariavelmente,
depois do caso esmiuçado:
” – Nem gosto de lembrar disso…”
É que a estória se prendia
aos tempos idos em que vivia
minha bisavó
que fizera deles seu presente e seu futuro.

Voltando ao prato azul- pombinho
que conheci quando menina
e que deixou em mim
lembrança imperecível.
Era um prato sozinho,
último remanescente, sobrevivente,
sobra mesmo, de uma coleção,
de um aparelho antigo
de 92 peças.
Isto contava com emoção, minha bisavó,
que Deus haja.

Era um prato original,
muito grande, fora de tamanho,
um tanto oval.
Prato de centro, de antigas mesas senhoriais
de família numerosa.
De faustos casamentos e dias de batizado.

Pesado. Com duas asas por onde segurar.
Prato de bom-bocado e de mães-bentas.
De fios de ovos.
De receita dobrada
de grandes pudins,
recendendo a cravo,
nadando em calda.

Era, na verdade, um enlevo.
Tinha seus desenhos
em miniaturas delicada:
Todo azul-forte,
em fundo claro
num meio – relevo.
Galhadas de árvores e flores
estilizadas.
Um templo enfeitado de lanternas.
Figuras rotundas de entremez.
Uma ilha. Um quiosque rendilhado.
Um braço de mar.
Um pagode e um palácio chinês.
Uma ponte.
Um barco com sua coberta de seda.
Pombos sobrevoando.

Minha bisavó
traduzia com sentimento sem igual,
a lenda oriental
estampada no fundo daquele prato.
Eu era toda ouvidos.
Ouvia com os olhos, com o nariz, com a boca,
com todos os sentidos,
aquela estória da Princesinha Lui,
lá da China – muito longe de Goiás –
que tinha fugido do palácio, um dia,
com um plebeu do seu agrado
e se refugiado num quiosque muito lindo
com aquele a quem queria,
enquanto o velho mandarim – seu pai –
concertava, com outro mandarim de nobre casta,
detalhes complicados e cerimoniosos
de seu casamento com um príncipe todo-poderoso,
chamado Li.

6. Humildade

Senhor, fazei com que eu aceite

minha pobreza tal como sempre foi.

Que não sinta o que não tenho.

Não lamente o que podia ter

e se perdeu por caminhos errados

e nunca mais voltou.

Dai, Senhor, que minha humildade

seja como a chuva desejada

caindo mansa,

longa noite escura

numa terra sedenta

e num telhado velho.

7. O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.

O algodão de tua veste

e o pão de tua casa.

E um dia bem distante

a mim tu voltarás.

E no canteiro materno de meu seio

tranquilo dormirás.

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.

8. Assim eu vejo a vida

A vida tem duas faces:

Positiva e negativa

O passado foi duro

mas deixou o seu legado

Saber viver é a grande sabedoria

Que eu possa dignificar

Minha condição de mulher,

Aceitar suas limitações

E me fazer pedra de segurança

dos valores que vão desmoronando.

Nasci em tempos rudes

Aceitei contradições

lutas e pedras

como lições de vida

e delas me sirvo

Aprendi a viver.

9. BECOS DE GOIÁS

Becos da minha terra…

Amo tua paisagem triste, ausente e suja.

Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.

Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.

E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia,

e semeias polmes dourados no teu lixo pobre,

calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo.

Amo a prantina silenciosa do teu fio de água,

Descendo de quintais escusos sem pressa,

e se sumindo depressa na brecha de um velho cano.

Amo a avenca delicada que renasce

Na frincha de teus muros empenados,

e a plantinha desvalida de caule mole

que se defende, viceja e floresce

no agasalho de tua sombra úmida e calada…”

10. Cora Coralina, quem é você?

Sou mulher como outra qualquer.

Venho do século passado

e trago comigo todas as idades.

Nasci numa rebaixa de serra

Entre serras e morros.

“Longe de todos os lugares”.

Numa cidade de onde levaram

o ouro e deixaram as pedras.

Junto a estas decorreram

a minha infância e adolescência.

Aos meus anseios respondiam

as escarpas agrestes.

E eu fechada dentro

da imensa serrania

que se azulava na distância

longínqua.

Numa ânsia de vida eu abria

O vôo nas asas impossíveis

do sonho.

Venho do século passado.

Pertenço a uma geração

ponte, entre a libertação

dos escravos e o trabalhador livre.

Entre a monarquia caída e a república

que se instalava.

Todo o ranço do passado era presente.

A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo.

Os castigos corporais.

Nas casas. Nas escolas.

Nos quartéis e nas roças.

A criança não tinha vez,

Os adultos eram sádicos

aplicavam castigos humilhantes.

Tive uma velha mestra que já

havia ensinado uma geração

antes da minha.

Os métodos de ensino eram

antiquados e aprendi as letras

em livros superados de que

ninguém mais fala.

Nunca os algarismos me

entraram no entendimento.

De certo pela pobreza que marcaria

Para sempre minha vida.

Precisei pouco dos números.

Sendo eu mais doméstica do

que intelectual,

não escrevo jamais de forma

consciente e racionada, e sim

impelida por um impulso incontrolável.

Sendo assim, tenho a

consciência de ser autêntica.

Nasci para escrever, mas, o meio,

o tempo, as criaturas e fatores

outros, contra-marcaram minha vida.

Sou mais doceira e cozinheira

Do que escritora, sendo a culinária

a mais nobre de todas as Artes:

objetiva, concreta, jamais abstrata

a que está ligada à vida e

à saúde humana.

Nunca recebi estímulos familiares para ser literata.

Sempre houve na família, senão uma

hostilidade, pelo menos uma reserva determinada

a essa minha tendência inata.

Talvez, por tudo isso e muito mais,

sinta dentro de mim, no fundo dos meus

reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo.

Sobrevivi, me recompondo aos

bocados, à dura compreensão dos

rígidos preconceitos do passado.

Preconceitos de classe.

Preconceitos de cor e de família.

Preconceitos econômicos.

Férreos preconceitos sociais.

A escola da vida me suplementou

as deficiências da escola primária

que outras o destino não me deu.

Foi assim que cheguei a este livro

Sem referências a mencionar.

Nenhum primeiro prêmio.

Nenhum segundo lugar.

Nem Menção Honrosa.

Nenhuma Láurea.

Apenas a autenticidade da minha

poesia arrancada aos pedaços

do fundo da minha sensibilidade,

e este anseio:

procuro superar todos os dias

Minha própria personalidade

renovada,

despedaçando dentro de mim

tudo que é velho e morto.

Luta, a palavra vibrante

que levanta os fracos

e determina os fortes.

Quem sentirá a Vida

destas páginas…

Gerações que hão de vir

de gerações que vão nascer.

Estante Quindim

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De medo e assombrações, de Cora Coralina.
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