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Como os pais podem ser aliados do feminismo?

pai com filha

crédito: Canva

A filha arruma a casa, lava a louça e até ajuda a cuidar dos irmãos mais novos, enquanto o filho brinca sossegado, sem preocupações. O modelo de criação dos filhos por muito tempo seguiu a cartilha do patriarcado: meninas cuidam e meninos não. Mas isso vem mudando. E o modelo de paternidade também: em grande parte das famílias, os pais agora não são mais os únicos provedores da casa e também têm responsabilidades com o cuidar dos filhos e arrumar o lugar onde vivem

Mas será mesmo que mudou? O que os pais precisam fazer para serem ainda mais aliados do feminismo na criação dos filhos e mudar o discurso machista?

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“O primeiro passo é entender que o machismo é nosso problema. Precisamos reconhecer e dizer isso em voz alta. Se é um problema nosso, enquanto homens, o que eu devo fazer para resolver esse problema? As posturas ativas de combate ao machismo são muito importantes”, afirma Thiago Queiroz, psicanalista e criador de conteúdo sobre paternidade, o ‘Paizinho, vírgula’ no Instagram.  

Ensinar os filhos homens a agirem de forma diferente, a partir do diálogo mas principalmente do exemplo é essencial. Ou seja, a transformação deve primeiro começar pelo pai, a primeira figura masculina de referência para os filhos, meninos e meninas. 

“Eu, antes de tudo, preciso mudar. Preciso cuidar da casa junto da minha companheira. Quando meus filhos me veem aspirando o pó, lavando a louça, cuidando deles, da irmã deles menor, que é bebê, eles passam a ter essa imagem e modelo de um homem que também cuida. O modelo é uma das formas mais poderosas de ensinar uma criança“, diz Queiroz.

Isso leva ao segundo passo, que é não categorizar funções para meninas e meninos dentro de casa, ou seja, garantir que nenhum dos dois tenha mais trabalho. Se uma criança pode levar a louça, a outra pode secar; se uma arrumar a cama, a outra deve também dobrar suas roupas ou organizar os brinquedos no armário. Independentemente do gênero.

O livro “Para educar crianças feministas”, da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, traz dicas que ajudam a combater pequenos machismos presentes no dia a dia. Escrito no formato de uma carta da autora a uma amiga que acaba de se tornar mãe de uma menina, a obra conta com 96 páginas de conselhos simples — e precisos — de como oferecer uma formação igualitária a todas as crianças. 

Um dos pontos citados são os estereótipos de gênero: enquanto meninas são criadas para serem boazinhas, meninos aprendem a ser bravos e viris. Isso, segundo a autora, contribui para a violência e o assédio sexual. “Ensinamos as meninas a serem agradáveis, boazinhas, fingidas. E não ensinamos a mesma coisa aos meninos. É perigoso. Muitos predadores sexuais se aproveitam disso. Muitas meninas ficam quietas quando são abusadas, porque querem ser boazinhas”, afirma o texto.

Esportes e brincadeiras iguais para todos

O brincar também é essencial nesse processo. Em geral, meninos são incentivados a desenvolver mais atividades motoras ou de lógica, e meninas a brincarem de casinha. Queiroz lembra que esses estereótipos durante a brincadeira atrapalham a liberdade das crianças, o que pode vir a influenciar escolhas futuras, incluindo a profissão:

“Os estereótipos de gênero precisam ser evitados para que nossos filhos tenham liberdade para vivenciar a infância da forma mais plena possível. E isso é especialmente importante pras crianças, porque é talvez uma das formas mais contundentes que nós temos pra mudar a sociedade pensando no futuro”, afirma o psicanalista, que tem quatro filhos, duas meninas e dois meninos. “Da mesma forma que as minhas filhas podem ter uma fantasia do Homem-Aranha, por exemplo, elas também podem usar roupas de princesa, caso queiram. Não é uma questão de inverter os papéis, mas dar uma gama de liberdade para nossos filhos. Não só na forma como eles vão se vestir, mas especialmente no brincar, que é o laboratório mais rico e importante na vida de uma criança.” 

Direto do Instagram: Por que incentivar meninos a brincar de boneca

E isso tem impacto na vida adulta. Um menino que nunca foi convidado a brincar de boneca, nunca teve um “filhinho para cuidar”, ou nunca brincou de casinha e fez comidinha, por exemplo, provavelmente não será cobrado durante a adolescência a fazer essas atividades. E um homem que nunca brincou de ser pai poderá ter dificuldade para se imaginar nesse papel.

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Uma pesquisa feita pela Universidade de Cardiff, no Reino Unido, em 2020, demonstrou como brincar de boneca, por exemplo, ajuda meninos e meninas a desenvolverem habilidades emocionais, como a empatia. O estudo revelou que, enquanto interagiam com as bonecas, as crianças analisadas tendiam a falar com mais frequência sobre seus próprios pensamentos e sobre “as emoções do brinquedo”, se colocando no lugar do outro, como num exercício de empatia. Ou seja, brincar de boneca faz bem para todo mundo.

Os esportes também são fundamentais, para ambos os sexos. No livro, Chimamanda Adichie sugere que as meninas, desde cedo, também devem ser incentivadas à prática esportiva — não só os meninos.

“Todos os tipos de esportes. Penso que é importante não só por causa dos evidentes benefícios para a saúde, mas porque pode ajudar com todas as inseguranças quanto à imagem do corpo que o mundo lança sobre as meninas”, escreve a autora nigeriana. 

Veja também: Futebol feminino: futebol é coisa de menina, sim!

é preciso parar de repetir machismos

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Mas e quando os próprios pais continuam reproduzindo machismos com filhos, especialmente homens? Principalmente aqueles que tiveram uma educação bem tradicional, em que aprenderam a ser fortes e viris para lidar com as dificuldades da vida — os famosos “machões” — têm mais dificuldade em mudar a forma como criam seus filhos.

“Isso está tão entranhado na essência de muitos homens que eles não conseguem cogitar uma vivência diferente, nem sabem como criar seus filhos, sobretudo meninos, de uma forma diferente”, diz Queiroz. “Sem essa mudança de chave, de entender o que é ser forte de verdade perante o mundo, que deveria ser elaborar o que sentimos e não esconder nossos sentimentos, não vamos conseguir chegar a lugar nenhum”, diz o psicanalista.

Nesse modelo de criação, não é incomum que meninos e até meninas comecem a repetir machismos que aprenderam em casa. Os meninos criados por pais machistas passam a achar que são mais fortes ou melhores que as meninas, e até as excluem de brincadeiras. As meninas, por sua vez, começam a aceitar tudo, e têm mais dificuldade de se impor. Isso deve ser combatido com muito debate e diálogo. 

Thiago pontua que uma paternidade que segue esse viés mais crítico da sociedade não vem do nada: traz consigo uma transformação muito intensa das masculinidades dos próprios pais, que começam a refletir sobre isso.

“Por isso, para muitos pais que vão entrar de cabeça na paternidade, ou seja, vivê-la em todo seu esplendor e também com todos seus desafios, é inevitável se transformar também enquanto homem. Se as duas coisas não andarem juntas esses entraves começam a aparecer.”

Veja também: Masculinidade tóxica: o que está por trás da cultura que oprime meninos e meninas.

Estante Quindim

Conheça 3 livros infantis para falar sobre estereótipos e questões de gênero:

Senhor cavalo marinho, de Eric Carle
Fala baixinho, de Janaina Tokitaka
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