A revoada dos gansos em direção ao sul e o cair das folhas amareladas dos galhos indicam que o inverno se aproxima e é chegada a hora de um urso que se preze hibernar. Foi em uma terça-feira que o Urso encontrou uma gruta para se instalar e ali caiu no sono. No dia seguinte, quarta-feira, a floresta foi tomada por uma multidão de homens munidos de mapas, sondas, cartografando todos os espaços em cima e ao redor da gruta. Depois, escavadeiras, tratores, serras, machados e muito mais homens chegaram. Construíram uma fábrica em cima da gruta onde o Urso adormecia. E, embaixo de um dos prédios da fábrica, bem lá no fundo da gruta, o Urso acordou, pestanejou, bocejou e arregalou os olhos: onde estava a floresta, a grama, as árvores e as flores? Assustado e desorientado, o Urso surgiu no meio da fábrica. Passou despercebido aos olhares dos operários que apressados e frenéticos trabalharam ininterruptamente. Foi quando o chefe notou:
- Ei você ai, volte ao trabalho!
- Eu não trabalho aqui. Sou um urso!
Afirmações e argumentos não são suficientes para convencer o chefe, o diretor-geral, o terceiro vice-presidente, o segundo vice-presidente, o primeiro vice-presidente e tão pouco o presidente da fábrica. Para todos eles, era apenas uma desculpa, de “um homem bobo que precisava fazer a barba e usava um casaco felpudo”, para não trabalhar. E foi assim que, meses após meses, ele trabalhou em uma grande máquina até a fábrica fechar e todos os operários retornaram para suas casas. E o urso, para onde retornaria após ter sua vida e seu habitat modificados? Sozinho, ele precisou encontrar seu caminho, seu lugar de pertencimento e buscar a reafirmação de sua identidade. Nesta fábula original de 1946, o clássico cartunista, roteirista e diretor de desenhos como Pernalonga, Patolino e Gaguinho, Frank Tashlin, traz o encantamento para o leitor, de todas as idades, a partir de inúmeras camadas e possibilidades de interpretação: Seja por meio do texto, de sua disposição nas páginas ou das ilustrações (atenção aos detalhes!) com seu traço inconfundível, irônico e cheio de nonsense. A construção de nossa identidade é um processo social que necessita da validação do outro. O Urso de Frank Tashlin nos conduz a incontáveis leituras proporcionando diversão e ao mesmo tempo tecendo irônicas reflexões sobre reconhecimento, identidade, as diferentes nuances do olhar do outro, como isso afeta nossas vidas e tantos outros assuntos possíveis (sociais, ecológicos e porque não, econômicos).