Podemos perguntar por aí quem tem mais sorte ou preguiça na vida, sem encontrar resposta satisfatória... Contudo, Roger Mello decidiu tirar a prova e fabular uma disputa entre a Sorte, que é muito das preguiçosas, e a Preguiça que, se não tem uma sorte igual à amiga, é muito boa e cheia de manha para contar oito histórias que viveu no dia que perdeu uma aposta para a Sorte e, azar seu, teve de correr atrás de tripas para servir de iscas para aratus e goiamuns que elas pretendiam pescar.
Indo de um lado para outro, a Preguiça foi conhecendo os moradores do mangue, no tim-tim dos detalhes e seus quereres, conduzindo o leitor através de suas narrativas que vão uma a uma se encaixando na outra. Passam doze meninos correndo e gritando, cada um vai para um lado no labirinto de casas e pessoas. Tem briga de seu Potó com a vizinhança, por causa do sobrinho de dona Coisa e o neto de dona Coisinha, tem o menino Josimar que vende caranguejos na feira. Tem amores secretos e uma carta perfumada endereçada para Maria da Cabana, tem lama secando no corpo e gente virando estátua, tem uma geração de outras marias e muitos outros personagens teimosos, criativos e satisfeitos da vida.
O que se descortina, através da narrativa enredada por links entre os casos e através da ilustração, são as condições de vida em uma comunidade em que as pessoas e o meio ambiente se fundem no trabalho, no modo de enfrentar as adversidades, no tempo regulado pela maré alta e a vazante, na cultura, no jeito de tocar a alegria da vida. As imagens do livro foram feitas em dois registros visuais: o desenho mais gráfico e linear com traços pretos, vermelhos, com delicados pontilhismos, para retratar a Sorte e a Preguiça, e outros painéis de página inteira para ilustrar as histórias contadas dentro do conto, utilizando uma variedade grande de materiais reciclados, coloridos, tinta, colagem sobre sacos de lixo plásticos, em uma técnica mista que remete à vida mista dos moradores do mangue