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Obesidade infantil: o que está por trás do aumento de casos?

Obesidade infantil o que fazer diante do aumento de casos capa

No último dia 4 de março, quando se celebra o Dia Mundial da Obesidade, a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou uma nota sobre o tema, destacando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS): no mundo todo, a população com obesidade na faixa etária entre 5 e 19 anos aumentou dez vezes na última década. 

Poucos dias antes, em 29 de fevereiro, um levantamento feito pela NCD Risk Factor Collaboration, em parceria com a OMS e publicado na revista científica The Lancet, mostrou que o planeta ultrapassou a marca de 1 bilhão de pessoas com obesidade em 2022: são cerca de 880 milhões de adultos e 160 milhões de jovens (entre 5 e 19 anos) vivendo com obesidade – em 1990, esses números eram de 195 milhões e 31 milhões, respectivamente.

Neste ano, a data global para conscientização sobre a obesidade ainda veio acompanhada de mais dados: o Atlas Mundial da Obesidade 2024, divulgado em 1o de março, trouxe uma projeção da Federação Mundial da Obesidade apontando que, até 2035, 50% dos adolescentes e crianças brasileiros podem conviver com sobrepeso ou obesidade. A previsão é de que, a cada ano, a taxa de jovens com obesidade ou sobrepeso aumente 1,8%. Entre os adultos brasileiros, o documento prevê crescimento anual de 1,9%.

Na avaliação da SBP, se queremos reverter este cenário, é indispensável orientar pediatras, mães, pais e cuidadores sobre medidas que auxiliem na prevenção da obesidade infantil. Afinal, a obesidade iniciada na juventude pode persistir durante a vida adulta. “Cerca de 50% dos adolescentes com obesidade permanecerão acima do peso quando adultos, aumentando o risco de doenças crônicas não transmissíveis, [por exemplo, diabetes melito tipo 2, hipertensão arterial e alguns tipos de câncer]”, diz nota da entidade.

Segundo a OMS, ainda na pesquisa publicada pela The Lancet, os dados mais recentes mostram que o sistema alimentar no mundo não está oferecendo dietas nutritivas às crianças e que os sistemas de saúde só focam em tratar a obesidade após o surgimento de outras doenças. Para a OMS, o correto seria abordar a obesidade antes do aparecimento desses problemas.

Veja também: Cantina escolar: a importância da alimentação saudável para as crianças.

Estimativa global (2020) e número projetado de jovens (5 a 19 anos; 2025-2035) com sobrepeso e obesidade (Federação Mundial da Obesidade)

2020202520302035
Com sobrepeso260 milhões310 milhões350 milhões390 milhões
Com obesidade175 milhões240 milhões310 milhões380 milhões
Com sobrepeso ou obesidade como proporção de todos os jovens no mundo22%28%33%39%
Fonte: OMS

O que são sobrepeso e obesidade?

Para prevenir, primeiro é preciso compreender melhor o assunto. Tanto sobrepeso quanto obesidade se referem ao acúmulo excessivo de gordura corporal. A diferença é a quantidade desse excesso e, assim, sua gravidade — quem tem obesidade possui mais gordura corporal do que quem tem sobrepeso. Um dos métodos usados para saber se um adulto tem sobrepeso ou obesidade é o Índice de Massa Corporal (IMC), que avalia a relação entre peso e altura.

Isso é feito por meio do seguinte cálculo: peso (em quilos) dividido pela altura (em metros) ao quadrado (peso/altura2). O resultado da conta demonstra:

Menos de 18,5 = abaixo do peso
Entre 18,6 e 24,9 = peso normal
Entre 25 e 29,9 = sobrepeso
A partir de 30 = obesidade 

No entanto, mesmo entre adultos, o IMC não deve ser utilizado como único dado. Pode ser, por exemplo, que o peso de uma pessoa seja em boa parte formado por massa magra (músculos). Apenas um médico pode fazer o diagnóstico correto.

Para identificar sobrepeso e obesidade em crianças, o Brasil adota, desde 2009, um sistema desenvolvido pela OMS que inclui curvas de IMC desde o período lactente (criança amamentada) até os 19 anos. “Fazemos a conta do índice de massa corporal, mas colocamos o resultado no gráfico [desenvolvido pela OMS]”, pontua Lívia Lugarinho Correa, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e coordenadora do Departamento de Obesidade Infantil da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso). Dessa maneira, o adequado é que um médico faça uma avaliação da criança ou adolescente para determinar se trata-se de um caso de sobrepeso ou obesidade.

Qual a relação entre obesidade e desnutrição?

Outro ponto a se esclarecer para uma melhor compreensão sobre o tema é a relação entre o aumento da obesidade e da desnutrição pelo mundo. O estudo feito em parceria com a OMS, citado no início desta reportagem, constatou justamente isso: além do aumento dos casos de obesidade no planeta, houve um crescimento da desnutrição – de 45 milhões de pessoas em 1990 para 183 milhões em 2022. A desnutrição ocorre quando alguém tem deficiência de macronutrientes (proteínas, gorduras e carboidratos) e/ou micronutrientes (vitaminas e minerais), independentemente do peso.

Para os pesquisadores envolvidos com o levantamento publicado na The Lancet, a má-nutrição tem relação direta com o aumento dos casos de obesidade, visto mesmo em países mais pobres. O estudo mostra que a falta de oferta de alimentos saudáveis e o preço elevado para manter uma alimentação nutritiva são os principais desafios nessas nações. 

De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade 2024, 80% das crianças que viviam com obesidade em 2020 moravam em países de baixa e média renda. “[Essas nações] enfrentam um duplo fardo de má-nutrição, em que a obesidade e a subnutrição coexistem juntas no mesmo indivíduo, habitação ou população. O duplo fardo da má-nutrição aumentou nos países mais pobres, de baixa e média renda, em especial no sul e leste da Ásia e na África Subsaariana (…)”.

Quais são os fatores que levam à obesidade infantil?

De acordo com a SBP, a obesidade é causada pela interação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais. “Filhos de pais com obesidade e indivíduos de classe socioeconômica mais desfavorecida têm maior risco de terem obesidade. O aumento da prevalência nas últimas décadas resulta da combinação de fatores genéticos e exposição a um ambiente obesogênico [ambientes promotores ou facilitadores de escolhas alimentares não saudáveis e de comportamentos sedentários], com consumo aumentado de alimentos densamente calóricos, processados e ultraprocessados, aumento do sedentarismo, maior uso de dispositivos eletrônicos, redução das horas de sono, e tudo isso associado a fatores culturais e psicológicos, presentes tanto no domicílio como na escola e comunidades”, explica nota da entidade.

A publicação Evidências em Obesidade e Síndrome Metabólica (março/abril 2018, Abeso), destaca que “entre 60% e 80% das variações de composição corporal podem ser atribuídas a fatores genéticos e que mais de 300 genes estão potencialmente envolvidos na regulação de peso em humanos. Sabe-se, entretanto, que somente em situações extremamente raras, a predisposição genética leva à obesidade na ausência de um ambiente obesogênico (…)”.  

Assim, Lívia, que também é Doutora em Endocrinologia e Metabologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que “a obesidade é multifatorial, ou seja, existem componentes genéticos e componentes ambientais [que levam a ela]. (…) No cenário atual, no entanto, uma das diferenças geradas pelo crescimento da obesidade infantil é que observamos doenças que antigamente eram esperadas nos adultos, como hipertensão e diabetes, já na faixa pediátrica”.

Como prevenir a obesidade na infância?

De acordo com a Abeso, ainda na gestação, um pré-natal bem feito é o primeiro passo. A isso se segue a amamentação: “O ato de amamentar e o tempo de amamentação exclusiva estão inversamente relacionados a altas taxas de ganho de peso durante a infância e ao risco de obesidade em pré-escolares. (…) Embora os mecanismos pelos quais o aleitamento materno reduz os riscos de excesso de peso não sejam claros, a razão pode estar relacionada aos maiores níveis de calorias e proteínas de algumas fórmulas infantis, bem como aos mecanismos de autorregulação da fome e saciedade nos bebês amamentados”, explica publicação da entidade.

Caso o aleitamento materno não seja possível, é indicado usar uma fórmula infantil com o perfil nutricional mais adequado para cada faixa etária, de acordo com a orientação de um médico. O documento da Abeso segue apontando outros caminhos para evitar a obesidade no decorrer do desenvolvimento da criança. Por exemplo:

A SBP dá mais orientações: reconhecer os sinais de saciedade da criança (por exemplo, virar o rosto, fechar a boca, empurrar a mamadeira ou o prato) e não exigir a ingestão completa dos alimentos; calcular a quantidade adequada a ser oferecida em cada refeição; não oferecer alimentos em resposta a qualquer tipo de choro; não “pular” uma refeição nem a substituir por lanche.

Veja também: Lancheira saudável: 7 dicas de lanche nutritivo para crianças

O que fazer diante do diagnóstico de obesidade infantil?

Buscar ajuda médica é fundamental e deve ser também uma atitude de prevenção. A SBP aponta que as consultas pediátricas “são uma oportunidade de acompanhar o paciente. Ao colocar as informações [do paciente] em gráficos, o pediatra pode identificar o padrão de crescimento, reconhecendo precocemente desvios a serem corrigidos”.

Lívia, coordenadora da Abeso, destaca que o tratamento deve envolver a família toda. “É importante que a família procure atendimento, embora isso nem sempre seja tão simples na atenção básica. No entanto, essa identificação [especializada], a consulta com um pediatra de rotina são importantes. E, ainda, o encaminhamento para o endocrinologista caso seja necessário, pois podem existir outras doenças como causas da obesidade, por exemplo, doenças genéticas e hormonais”, explica ela. “Fazem parte do tratamento a atividade física e a alimentação – ambas também são formas de prevenção. [Além disso], hoje existem medicações aprovadas para o tratamento da obesidade a partir de 12 anos”, continua a médica.

A especialista ainda ressalta a importância da colaboração da sociedade diante da questão para diminuir, por exemplo, o sedentarismo, agravado nessa faixa etária pela pandemia de covid-19 devido ao aumento de tempo de exposição às telas. “Há também o forte marketing da indústria de ultraprocessados. São alimentos normalmente mais baratos, bem palatáveis e que atingem em cheio esse público [infantil], que é o mais vulnerável. Isso somado ao ambiente mais sedentário, com uma criança já com predisposição genética, gera essa epidemia de obesidade nessa faixa etária”, conclui Lívia. 

As orientações da SBP vão neste mesmo caminho, lembrando que, além das famílias, existem mais personagens sociais que podem e precisam ser envolvidos na prevenção e tratamento do sobrepeso e da obesidade em crianças e adolescentes. Alguns deles são:

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