O desejo pela vida é um movimento contínuo e instável. Há dias incríveis, outros mornos, e há aqueles em que nada faz sentido. Há, ainda, dias em que tudo isso ocorre quase que simultaneamente. Diante do furacão que é viver, como estamos de saúde mental? Duas senhoras falam ao telefone e combinam adiar um compromisso importante: o encontro com a dona Morte.
Berta explica para Isaltina que precisa reagendar o que haviam combinado, devido a um imprevisto em sua família. Por acaso, o passarinho Par Dal, cansado e com a metade da vida vivida, pousa na janela de Berta e ouve toda a conversa. Aflito e sem saber o que fazer, canta. O mais alto e melhor que pode, até tocar a senhorinha. Os dias seguem e depois é Isaltina quem precisa desmarcar o encontro, para grande alívio de sua amiga.
As duas velhinhas, na casa dos oitenta anos, acham que os ciclos de vida já poderiam dar por encerrados, não havia mais grandes motivos para prolongarem os seus dias por aqui. Mas surge o canto do passarinho (até alpiste Berta comprou para ele!), e, sem passe de mágica e com sensibilidade, as amigas reveem as pequenas atividades do dia a dia. Par Dal, a ponto de dar um nó, leva o fio de lã rosa, bicado de uma almofada de dona Berta, até a casa de dona Isaltina, que fica surpresa com mais uma visita do passarinho cantor. Isaltina segura uma das pontas do fio rosa, a outra ponta está na casa de Berta. Uma linha pulsante como a corrente sanguínea une as amigas, que, ainda cansadas de existir, reencontram-se com a vontade de viver. Par Dal é a própria passagem do tempo: cansado, desgastado, depenado, mas, em movimento. O tempo, de fato, não para. A vida, essa moça misteriosa, insiste.