Preso por ideias contrárias ao governo, a alegria de um homem se resumia às saídas para o banho de sol, quando podia ter contato com alguma natureza: as sombras das árvores no chão, a luz do sol, às vezes flores, sempre passarinhos. De início, levava um livro para ler fora da cela, mas não lia, pois ficava a observar a paisagem que diferia das paredes fechadas e cinzas. Passou a levar pão para ficar mastigando enquanto estivesse ali.
Foi assim que um passarinho se aproximou (mas não muito) em busca de migalhas. Então, o homem espalhou as migalhas pelo chão e se afastou para que o animal pudesse se aproximar um pouco mais. Num outro dia, lá estava o passarinho de novo em busca de migalhas. A alegria de sair da cela se juntou à alegria de estar junto de um novo amigo.
Ainda na cela, antes de ir ao pátio, o homem se perguntava se o passarinho estaria lhe esperando. Sempre estava. Com cuidado, paciência e carinho, o prisioneiro deixava a comida para que o bicho comesse e respeitava o seu espaço. Pouco a pouco, foi conquistando a confiança, foi se aproximando até chegar a pegar migalha entre os dentes do homem. Certo dia, o pequeno animal deixou de aparecer, o que fez o amigo pensar em várias hipóteses para o seu paradeiro. Sem nunca saber o que aconteceu, ressignificou seu entendimento.
A narrativa é inspirada na vivência do escritor angolano Luandino Vieira que lutou pela independência do seu país. As ilustrações possuem a mesma delicadeza do relato e são feitas de sombras e pequenas partes dos dois amigos, nunca na mesma página, indicando o processo de aproximação. A publicação possui folhas de papel dobradas, fechadas e coladas junto da espinha do livro, ao modo de páginas-envelopes, que trazem imagens de penas e sombras azuis, evocando o mundo além muros.