Algo estranho está acontecendo na vida do neném. Estranhas criaturas andam pegando suas coisas, sentando-se em seu troninho, brincando com seus brinquedos e nadando em sua banheira. Quem são esses desconhecidos que tomaram conta de sua rotina? Seres fantásticos que podem assustar, mas, quando vistos mais de perto, ganham a simpatia do neném e do leitor.
Para conhecer o mundo, o bebê usa seus sentidos. Entretanto, como ainda não reconhece muitas formas, cores ou objetos, é a partir do que observa que ele tenta dar conta da realidade que o cerca. Um emaranhado de tecidos pode ser um monstro e um brinquedo de cabeça para baixo na banheira é assustador. O bebê se assusta ao ver aquilo que não conhece e coloca na caixinha do medo, até que algo de conhecido desse objeto lhe seja revelado.
É esse o principal assunto de Tá tudo bem, neném!, escrito e ilustrado por Emmanuelle Houdart. O conto de repetição apresenta as diversas encarnações do medo do bebê que brinca de esconde-esconde com os objetos de sua rotina. Se essa brincadeira é tão prazerosa é porque o bebê realmente acredita que o objeto sumiu e seu reaparecimento lhe soa como mágica.
Apesar do medo inicial, as criaturas são representadas com traços maternais e doces. Ou seja, ao se aproximar, a criança reconhece nelas seu ente mais próximo, a mãe, encontrando nelas traços familiares e desmistificando-as. A sereia embala o bebê enquanto ele toma sua mamadeira, o dragão veste tênis e joga bola com ele, o diabinho recebe o papel higiênico e o coelho tem o olhar terno.
Se nas primeiras páginas duplas a criatura ainda é desconhecida é porque a criança ainda está escondida, com medo do que pode surgir. O ser se revela, quando o bebê se aproxima, passando a se relacionar com ela. Para que isso aconteça, é necessário que a criança veja o todo e não apenas uma parte. A mesma ludicidade que faz com que o bebê transforme uma caixa de papelão em um navio a faz acreditar que um pedaço de sapato escondido atrás da cortina é um jacaré. E é com essa capacidade imaginativa da criança (para alegria e para o medo) que a autora joga neste livro divertido e encantador.