Você já experimentou ler as imagens de um livro e só depois fazer a leitura do texto? Se sim, podemos trocar nossas experiências. Se não, te faço fortemente este convite. Andrés Sandoval preparou uma rica experiência visual para a narrativa de Isabel Minhós Martins. É percorrer a página e demorar o olhar, atravessar a Cidade das Setas com a curiosidade de quem visita uma metrópole pela primeira vez e com o encanto de quem consegue enxergar belezas no meio do caos, como um urso tocando piano. A propósito, pause na página desta cena, ela diz tantas coisas!
Concentrando nossa atenção no protagonista: um menino que vive numa cidade totalmente regida por setas. Lá “Todos sabiam o seu rumo e não havia sobressaltos”. A cidade é tão organizada que possui até uma Comissão de Especialistas que se reúne semanalmente para monitorar o regimento de setas, analisar o que pode ser aperfeiçoado, “Nesta escola há muitas crianças. Vamos precisar de milhares de setas...”. Mas, o menino é surpreendido por uma inquietação, uma senhora dúvida: o que poderia haver entre as setas? Nos espaços não percorridos?
Depois de tanto lutar com este pensamento, ele resolve se aventurar e esgueira seu olhar diante dos detalhes de sua cidade. Percebe que desconhecia algumas formas, paisagens e personalidades, e que também não havia realizado muitas coisas prazerosas que as setas de sua cidade não indicavam, como, por exemplo, ir à praia num dia de chuva. Decide oferecer a mesma experiência a outras pessoas e, enquanto todos dormem, troca algumas setas de posição, gerando uma tremenda confusão! Muita gente perdidinha da Silva. No entanto, há pessoas que, assim como ele, apreciam a ideia de estar em lugares inimagináveis e poder sentir a vida de outra maneira.
Viver em sociedade nos exige seguir uma série de acordos, normas, mas até que ponto devemos obedecê-las sem questionamentos? E mais, como são criadas tais convenções? A quem beneficia a padronização de comportamentos? Essas e outras indagações estão implícitas na história narrada. E que valioso é proporcionar ferramentas para a elaboração do pensamento crítico às crianças. É desde cedo, na primeira infância, que construímos o alicerce do que conhecemos por segurança, confiança e autonomia. É desde o princípio que aprendemos de que maneira caminharemos juntos, ainda que respeitando as individualidades.
Sandoval e Minhós compõem juntos um livro ilustrado daqueles que saltam da estante e ganham cadeira cativa na lista de melhores leituras, em qualquer idade.