Um delicioso livro ilustrado para exercitar nosso ponto de vista — através das imagens, da parede que separa as casas, do livro e das palavras. Tudo isso perfaz uma crônica de convivência entre um homem e uma menina que os adultos rotineiramente chamam de... irrequieta!
As pistas estão todas na capa.
O título, na edição brasileira, já indica a fala do personagem adulto de boina xadrez, um par de óculos, vestindo camisa branca, gravata borboleta, colete verde e calças cor de laranja... no entanto, se vemos apenas uma linha, nossa mente completa e dá corpo ao tecido, provavelmente grosso, para aquecer um leitor de sapatos e meias listradas de azul. Da mesma maneira gráfica, a parede que separa as casas está e não está diante de nossos olhos, visto que é representada pelo ângulo entre duas linhas retas. E a pequena vizinha? Vestido vermelho e um estranho laço nos cabelos, mãos nas costas, pensativa, imaginativa das travessuras que poderá aprontar. Atento mesmo, apenas o dachshund de orelhas em pé...
Na qualidade de um bem-humorado álbum ou livro ilustrado, o artista belga Koen Van Biesen se utiliza do que seriam as páginas de guarda para mostrar que em algum lugar de casas encostadinhas umas às outras, numa noite chuvosa de lua cheia, um homem solitário tenta ler um livro. Na abertura das páginas, os personagens serão vistos cada um em seu próprio espaço, tão perto um do outro, mas separados pela “parede invisível” que é a dobra do livro. Os movimentos da menina e do homem são ágeis como dois personagens de cartum, onomatopeias e sinais gráficos de histórias em quadrinhos. Agora imagine quão próximos e distantes estão a criança e os interesses adultos, a agitação e a leitura, a convivência tumultuada e alegre para cada um.