O início de um conto é uma das porções mais ricas de informações a respeito do tempo-espaço e das condições sociais dos personagens de uma história — e esta marca informativa pode ser amplificada nas primeiras páginas de um livro ilustrado. Eis aqui um exemplo: um menino negro, no portão de sua casa, os vidros canelados, o isolante elétrico de cerâmica, o fio ali passando, um caixote no canto, o gato remexendo os sacos na lixeira, enfim, o título que é expresso como uma pergunta: quer ler um livro comigo?
O mais importante: o menino tem mesmo um livro debaixo do braço. Ele se chama Antônio e mora numa vila entre uma banca de revistas e uma padaria, mas o que deve também ser notado é o interior de sua casa, os móveis do quarto (onde a história começa), a sala, a cozinha. A mãe está ali, frente a pia cheia de louças, frente a janela com a vista para muitos telhados, quando Antônio pede para compartilhar uma leitura com ela.
No entanto, a resposta é negativa e o menino desce à rua. Vai repetindo o mesmo convite ao padeiro, à dona da barraca de frutas, ao carteiro, à mulher da banca de revistas... Contudo, ninguém está com tempo para uma leitura! Até que o homem cego que ouviu sua lengalenga pra lá e pra cá chama o menino para um dedo de prosa e, se Antônio quiser, ler uma história para ambos.