Os livros de Lúcia Hiratsuka nascem enraizados em suas memórias de infância e família, colhidas com poesia, misturadas com terra costurada com água, num tempo que a chuva marcava a espera e o atraso para um compromisso, com imagens literárias e visuais que não se povoam de uma saudade das coisas distantes, no entanto, são portas e presenças vivas. Desta maneira, também Os livros de Sayuri se desdobram na novela de uma personagem que, um dia, viu, como a própria autora, os livros de casa serem guardados num caixote com palhas de milho e enterrados no quintal. Todos os livros. Nenhum deveria sobrar à vista, ao prazer da leitura, da busca de informação, da abertura para outros mundos.
No entanto, o mundo mesmo estava fechando suas fronteiras. O eco e a poeira da Segunda Guerra foi ouvido e veio se assentar no cotidiano de muitas pessoas, em diferentes cidades, comunidades rurais ou lugarejos distantes do fronte. Uma guerra também se faz com palavras e atitudes de desconfiança, e a narrativa retrata, ao fundo da figura da menina Sayuri, uma experiência comum a muitas família de japoneses e seus descendentes nipo-brasileiros pelo interior do Estado paulista. Não apenas livros e jornais foram proibidos; toda conversação era vigiada e escolas tiveram aulas suspensas, além de outras dificuldades com relação ao comércio e a comida racionada.
Os livros fechados realmente estavam mortos, tal como um livro escondido que não poderá seguir sua vocação para dialogar com alguém. Mas existe um mundo sensível da leitura do sabor de cada coisa, das plantas, dos animais simples, dos caminhos e insetos noturnos sob a luz do lampião. Existe o chão onde se pode desenhar letras e ideogramas de uma linguagem que nenhuma censura poderia apagar, mesmo quando o vento varre cada palavra. A aprendizagem de Sayuri é integrar-se à realidade, reconhecendo-se na sua escrita e na sua história.