A correria do porteiro começa antes mesmo de chegar ao trabalho. Na condução lotada, ele vai de pé, espremido junto a outros tantos que, como ele, precisam ganhar o pão. Quando chega ao condomínio, não há tempo nem mesmo para tomar um café com calma. Abre a porta, fecha a porta: é o dia inteiro assim. O almoço também é sempre interrompido. Além dos moradores, há visitantes e trabalhadores que precisam acessar o prédio, e cabe a ele liberar a passagem. Embora alguns pareçam ser mais simpáticos, outros trazem a cara bem fechada.
Um dia, o porteiro passa mal. Ao ser levado de ambulância, o portão permanece trancado. Há gente do lado de dentro que precisa sair, e gente do lado de fora que quer entrar. E agora?
O livro de imagem de Vítor Rocha tem várias nuanças que nos permitem refletir desde a apresentação do personagem na capa do livro: um homem negro, obeso, uniforme de camisa azul e calças cinzas, mesmo assim usando um kufi (boné curto e arredondado, sem aba, geralmente feito em crochê), com três chaves que fazem ele até parecer um carcereiro... Além de muito significativas, as ilustrações da narrativa nos pegam pela mão e nos levam a refletir sobre questões complexas e importantes, como nossa relação com o trabalho, a desvalorização e a invisibilidade de algumas profissões na sociedade. Repare no simbolismo: apenas no final do livro, descobrimos como é o nome do nosso simpático protagonista.
Um livro belo e profundo, que merece conversas honestas com nossas crianças e, como não poderia deixar de ser, com nós mesmos.