O menino gostava de ler e era esperto. Havia adquirido o hábito com seu pai, um leitor voraz que, para o menino, era o homem mais inteligente do bairro, talvez do mundo. Por isso mesmo, os colegas de escola costumavam pedir ao menino que perguntasse ao pai o significado de uma e outra palavra difícil, dessa e daquela, e sempre apareciam com uma mais cabeluda do que a outra!
Até um belo dia em que esse mesmo menino decidiu que não mais precisava prestar esse serviço de graça. Começou aceitando tampinhas de garrafa de cerveja como pagamento... Depois, vieram bolinhas de gude, fotografias raras, chicletes, balas e muito mais. O menino tinha certeza de que seu negócio ia muito bem, obrigado, mas estava prestes a descobrir que nem toda inteligência é igual.
Essa é mais uma história magnífica de Ignácio de Loyola Brandão. Vencedor do Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Ficção, o texto pode parecer fantasioso apenas para nossas crianças mesmo, que vivem uma infância muito diferente daquela narrada pelo autor. Para nós, adultos, é bem provável que sejam bem familiares algumas técnicas de negociação usando como moedas de troca de tampinhas de garrafa, adesivos e outras relíquias, ainda que essa prática talvez já esteja se tornando uma memória distante. Além da narrativa divertida, envolvente, instigante e engraçada, o livro ainda conta com as belas ilustrações de Mariana Newlands, usando apenas o traço preto e a cor vermelha.
Ao retratar um outro tipo de infância, o livro mostra claramente que nem todo tipo de inteligência e esperteza está nas bibliotecas. Não existe uma vivência superior ou inferior a outra, apenas diferente — mas, repare bem no questionamento incômodo que nos fica: até quando a leitura ainda será tratada como artigo de luxo?