Fantasia é um gênero narrativo e musical que permite a alguns autores bastante liberdade de expressão, sem um fio condutor único e claro à primeira vista, enredando o leitor ou a audiência num fluxo de imagens — e esta é uma chave de leitura necessária para adentrar esta aventura ou novela gráfica com mais de 200 páginas! De fato, não se trata de uma história em quadrinhos para crianças, nem leitores iniciantes de qualquer idade. É preciso ter fôlego.
A história começa com o retorno de um jovem adulto ao sítio de seu avô, num certo lugar do interior de Minas Gerais com vestígios da cultura cafeeira e ainda possui uma mata repleta de personagens de lendas brasileiras e universais. O velho, um maestro exilado do mundo e de todos, acabara de falecer e o protagonista deve tomar as últimas providências para a venda do imóvel e a destinação de objetos para o museu. No entanto...
Ao encontrar o ninho de um cuco morto, o jovem se vê em outra realidade. Não é mais a mesma pessoa, mas o menino de antigamente. Neste universo de sonhos, o medo toma conta e os traumas são revelados, muito mais que suas alegrias. Os temas que enfrenta são o abandono do pai, o bullying ou acossamento entre colegas, morte, libido, abuso infantil, em meio à figura simbólica de sacis e fadas, pássaros com nomes de compositores famosos, árvores que choram, devoradores de gente e tanto mais.
Toda a novela gráfica foi produzida digitalmente em branco e preto, com efeitos de sombras e esfumaçados, com traços realistas que, de repente, se tornam caricatos como mangás japoneses. E é preciso ler as falas e ler também as imagens, descobrir citações contidas intertextualmente nas duas linguagens. Há referências a personalidades como o paisagista Burle Max e o músico Heitor Villa-Lobos, mas quem verá, na janela de um trem, a aparição de Hayao Miyasaki ao lado de outra figura do cinema?