Tudo começou — conta o avô para a neta numa carta — quando um pequeno prédio de apartamentos com varanda começou a chacoalhar suas vigas e foi se soltando do chão, num movimento lento o suficiente para um gato pular fora, uma família terminar o churrasco ou o rapaz do quinto andar salvar um vaso de planta! Sem ninguém, mídia ou autoridades dar importância ao fato, o predinho partiu sem olhar para trás... Entretanto, o caso foi se repetindo. De repente as pessoas viam-se abandonadas nas ruas. Casas e mansões entraram no embalo, as rodovias ficaram entupidas. Os países vizinhos ganharam bairros novos. Monumentos e edifícios históricos também deram um jeito de fugir.
Com pequenos toques de distopia, anacronismo e ironia, o texto de Estevão Azevedo evoca a velha máxima de que o Brasil precisa ser descoberto pelo próprio povo e, ao pé da letra, isso se faz com a desconstrução das cidades e ficarmos todos com os pés no chão. A carta do avô é escrita no aqui e agora para um futuro onde a terra será modelada com a mão das crianças. Há o humor mais gracioso, como relatar que a Igreja do Bonfim esperou suas escadarias estarem bem lavadinhas, antes de ir embora. Mas a crítica igualmente dá as caras ao propor que o Museu Nacional (aquele que sofreu um incêndio terrível em setembro de 2018) nos deixou levando o crânio de Luzia e demais peças de preciosas coleções, bem como descrevendo a partida das construções de Brasília como um manada de elefantes brancos.
As ilustrações de Rômolo d’Hipólito são bastante coloridas e minuciosas, inserindo referências a incêndios e queimadas, os desastres que ocorrem em meio a nossa urbanidade, problemas da gentrificação, os biossistemas e a preservação de recursos vivos da natureza.