Marina está ansiosa para a chegada do caminhão no lugarejo onde mora, contando os dias, perguntando aos pais e aos avós quanto tempo ainda é preciso esperar... e vai imaginando as paisagens por onde ele atravessa antes de fazer a parada e pousar ali por perto, entre a pequena cidade e a roça. Ah, o que esse caminhão traz de muito especial para a menina?
Essa é a surpresa do livro que narra com palavras e silêncios, uma história do cotidiano familiar que ainda acontece em distantes lugares do país, com um toque particular da memória da artista que passou sua infância no interior do oeste paulista. A história da espera pelo circo itinerante possui algo de mágico e foi articulada em dois planos de ação simultânea, como se fosse um filme projetado dentro do livro... Nas páginas dominadas pelo fundo branco, encontramos a narração verbal e as ilustrações que descrevem o cotidiano de Marina, o pai riscando a folhinha de papel na parede, a mãe e as meninas pendurando a roupa projetando a sombra no lençol, a avó separando o feijão do caruncho e outras sujidades, o avô engraxando os sapatos, as brincadeiras com as irmãs, até o grande dia da chegada do caminhão. Enquanto isso, na abertura de páginas intercaladas à história da menina, vemos quadros mais coloridos ou panorâmicas da estrada dentro de molduras — ali está a viagem e a aproximação do grande veículo com carroceria. O caminhão todo azul. Quem vem ou parte, no passado ou no futuro. Por caminhos banhados com a luz do sol, com a lua de chapéu, atrás das nuvens... e chuva!
Como um projeto autoral particular, as histórias de Lúcia Hiratsuka sempre contém elementos de sua infância. As memórias são filtradas e mescladas a delicados fios de afeto sobre o que realmente viveu, o que pode reinventar e então compartilhar na forma mista de sua literatura palavra e imagem.