Dez povos, dez histórias míticas, uma antologia de literatura indígena que dá vez à palavra que abre o cosmo, tornando o desconhecido tangível à compreensão e à experiência do dia a dia. Nós, em uma visão ampla, somos amor, as origens, a fruta, os animais da água, da terra e do céu, os utensílios que inventamos, o domínio sobre a pedra e o fogo, a eletricidade e os concílios humanos. Nós somos o indígena e o estrangeiro, no sentido de aqueles que nasceram e permanecem em seu povo e do outro que vive caminhando de lugar em lugar. Cada povo tem a sua língua, a fala e o léxico, uma gramática que não apenas organiza frases mas igualmente faz perceber a ordem do mundo de um modo particular. Por vezes a dimensão que um homem tem de si mesmo é compartilhada entre os povos vizinhos, por vezes não — e é isto que possibilita a troca.
Dez histórias aqui são escritas a doze pares de olhos e mãos. Cada autor é uma âncora de sonhos e lutas ancestrais no movimento presente da vida. Cada nome tem o eco de uma etnia sonora que se converteu em linguagem escrita. Ora o código de nosso alfabeto não é nosso; seu uso remonta a várias épocas e lugares, permitindo perpetuar conhecimentos que o tempo não apaga. Hoje você pode soletrar e ouvir cada nome, buscando sentir a autoridade que transmitem: mebengôkré kayapó, saterê-mawé, maraguá, pirá-tapuya waíkhana, balatiponé umutina, taurepang, umuko masá desana, guarani mbyá, krenak e kurâ-bakairi.
Graças a novas compreensões que temos de cultura — os nós que nos prendem em sociedade, deixamos de lado as generalizações do passado e passamos a nos interessar pelos grupos cada vez mais particulares e mais complexos, em suas redes que ligam a ideia de tribo-aldeia à internet. São comunidades, famílias, indivíduos que vêm atualizando o coletivo por meio de uma escrita pessoal, dando existência a uma literatura indígena contemporânea. Aqui, no lugar do anônimo, surgem o nome próprio de seus autores-pontes entre a tradição oral e nós, os leitores, num trabalho de reunião e reconto organizado por Maurício Negro, ilustrador, escritor e gestor de projetos socioambientais e identitários. São contos, mitos e lendas para crianças e jovens leitores, mas o papo segue firme entre adultos. É preciso dar os nomes das coisas brasileiras, aclarar as velhas histórias para descobrir que o início do mundo é o incessante gesto criativo de seus narradores e o direito a ter direitos iguais a nós.