A família dava brinquedo e limite: bola de couro, trem elétrico, velocípede, bicicleta e até mesmo espingarda de pressão, apenas não permitia um animal de estimação em casa. Um dia, no entanto, o menino, filho único, viu o empregado do pai trazendo um cabrito, amarrando-o ao pé da mangueira, e passou a alimentar, com água e folhas apanhadas na horta de casa, o desejado amigo.
Neste conto de 1998, com economia de linguagem, Wander Piroli retrata o clima de austeridade que é sentido no silêncio após frases autoritárias bastante secas. Enquanto a mãe repete uma cantilena que prevê quanto a afeição do menino pelo cabrito vai dar problema, o pai coloca um ponto final em tudo.
Já as aquarelas de Odilon Moraes transportam a narrativa para um ambiente de espaçados vazios, ausência de diálogo, numa novela visual de sombras e ocres — tão pouco o verde que carrega esperança ou os azuis a abrir portas para novas realidades. A história parece vir de outro tempo, mas talvez seja uma história de cicatrizes relembradas ano a ano, revelando as inúmeras infâncias brasileiras. E talvez hoje ainda persista a necessidade de rever o não dito entre pais e filhos, sobre o que diz toda a falta ou o excesso das conversas, das coisas, dos animais que deseja como mais um brinquedo ou companhia.