O trabalho de Nelson Cruz se recria curiosamente num livro de imagem onde brevíssimas narrativas em quadrinhos evocam os velhos versos da tradição oriental. Bem conhecido por sua estrutura de três linhas poéticas, a força do haicai não vem exatamente dessa organização como muita gente pensa — a dinâmica, a graça e também o humor nascem do intervalo entre a descrição de uma cena casual e o desenlace que transmite uma ideia inesperada. É nesse movimento que o escritor e ilustrador mineiro também parece se inspirar, oferecendo um jogo entre o título e a sequência de uma narrativa insólita.
Desde modo, o olhar não mergulha solitariamente nesses haicais visuais. Cada título dá conta de anunciar a trama da intertextualidade para os leitores, como “A hora da estrela” ou “Magritte ao vento” que se apropriam do título de um romance moderno de Clarice Lispector ou fazem homenagem ao famoso pintor francês do Surrealismo. Em outro momento, temos que adivinhar mais a fundo: quem será a criatura de pele negro-azulada com mãos de unhas ferozes que encontra uma mensagem dentro de uma garrafa na beira da praia? Lembraremos de aventuras de náufragos, uma ilha misteriosa ou peça de Shakespeare? O que teria lido naquele papel vindo de longe?
E há outras possibilidades de fruição poética, como “Sonho de casa” que sugere leituras sociais e políticas, ou “Três gatos” que é o ponto alto dos haicais em imagem, permitindo ao leitor ver simplesmente três gatos ou três aparências de um gato só... Mantendo o clima da “licença poética”, o pensamento aqui vagueia ora lúdico, ora filosófico, em novas liberdades com o universo do haicai.