Duas realidades antagônicas se esbarram, quando um menino pede inesperadamente: ei, tio, me paga um livro? O homem de terno já engatilha a resposta automática: não tenho trocado, ele diz. Mas ocorre-lhe um estranhamento. Embora estejam dentro de um shopping, tão tarde da noite, a criança maltrapilha não pede dinheiro.
Tema recorrente nas obras de José Resende Jr., o incômodo encontro com a desigualdade social é exposto nesta história. Um homem branco de classe média encara um menino negro e pobre em uma cena que foge daquilo que há em seu imaginário. O pedido é outro e não há intimidação. Isso faz com que esse homem reavalie o estereótipo que carrega consigo mesmo.
É relevante pensar o motivo de a pergunta do menino surpreender. A expectativa do adulto é de que uma criança que, aparentemente, não tem poder aquisitivo peça por coisas básicas como comida. Não seriam também o acesso à leitura, ao lazer e ao aprendizado que esta proporciona, e o direito à infância e ao sonho uma questão básica? A cultura não é também de necessidade essencial? Ou seria por considerar a falta de familiaridade de boa parte da população com os livros que faz com que o homem de terno se impressione?
A narrativa é baseada em um acontecimento real na vida de José Resende Jr. Porém, diferentemente do homem de terno, o autor Jr. ficou feliz e se prontificou a comprar um livro para o menino. Pensada como um conto e publicada em seu site pessoal, Resende Jr. não imaginava que a história poderia ter um público infantojuvenil. Por sua vez, Renata Nakano identificou o potencial da obra como um álbum ilustrado. O livro possui características de história em quadrinhos. O espaço do shopping é desconstruído, pondo em evidência os dois personagens principais. Enquanto ilustrava, Rogério Coelho imaginava a oposição entre as duas figuras de realidades tão diferentes e as colocou frente a frente, num duelo através do diálogo. Muitas das texturas das ilustrações foram feitas à mão com papel, tinta e fita adesiva e, em seguida, foram digitalizadas.