Muitas vezes, antecipando a construção dos sentidos da história, a leitura se faz da capa para dentro do livro — e temos, com Geoffroy de Pennart, um bom exemplo de jogo literário. Pra começar, o título é uma frase completa: É preciso soltar o Gaspar! E podemos indagar ao leitor quem a diz, quem é a personagem, como a vemos, o que ela faz em uma motocicleta correndo a toda velocidade? Observe também a estrada de terra, a fumaça, os traços que indicam a trepidação, a inclinação dos braços, o olhar, os nervos tensos, os chifres e os sapatos femininos... quem é ela, quem é Gaspar, onde estará preso, quem o prendeu?
Abrindo o livro, no lugar das páginas de guarda, temos uma galeria de retratos de antigos personagens de fábulas e contos populares, tudo misturado: três ursos, três porquinhos, ovelha, cegonha, touro, lobos e cabritinhos, vários e vários cabritinhos!! Mesmo o pequeno leitor poderá navegar pela memória intertextual de diferentes histórias que ouviu ou conheceu em livros e desenhos animados. Pois agora esses personagens viverão uma nova aventura, reunidos numa narrativa que se tece com o ritmo da lengalenga num conto acumulativo.
Tudo começa com um cheiro doce e quentinho espalhando-se pelo ar e a Dona Cabra guardando um prato de rosquinhas para esfriar na despensa. No entanto, Gaspar, o cabritinho número cinco, sente um desejo irresistível e... acaba preso lá dentro, quando a porta bate violentamente e a chave se quebra na fechadura. Está pronta a confusão neste livro em que lemos a ilustração e o texto-legenda, mais as onomatopeia e outros sinais gráficos que marcam a linguagem das histórias em quadrinhos, revisitando outras tantas narrativas da literatura tradicional. Mas não somente isso: a ironia dos desenhos e dos personagens coadjuvantes levam-nos também ao clima da sátira e da crítica de costumes: todos os homens estão sempre ocupados demais com seus trabalhos para ajudar a mamãe Cabra até que... a ajuda vem solidariamente de outra personagem que você descobrirá lendo e vendo o livro!