Da realidade ao constante sonho de Maria, estende-se uma corda bamba entre os prédios da orla carioca e, noite após noite, a menina sente a necessidade de ir adiante, não importa a altura, buscando o seu próprio equilíbrio. Às vezes, puxando o fim da madrugada um bando de andorinhas segue as costas de Maria — e quem ouve os relatos da menina até mesmo vê essas aves de verão paradas no ar como se fizessem fila detrás dela! Maria tem um arco de flores coloridas e anda na corda como um passeio seguro no calçadão da praia. Então, ela percebe numa vez um outro prédio alto com janela redonda e um andaime perto: estendendo a curiosidade até lá, Maria reencontra o mar sereno e também tumultuado em que se transformou sua vida, ao atravessar um corredor com variadas portas pintadas em cores diferentes, vozes e imagens de seu passado e memórias perdidas.
Qual o começo da história? É onde começa o livro com Maria, na idade de dez anos, indo morar no apartamento de sua ostensiva avó chamada Maria Cecília Mendonça de Melo? Ou o começo da história é uma infância vivida no circo ou, antes de tudo isso, com Márcia e Marcelo se conhecendo? Haverá um sonho que começa e termina dentro de outro sonho? A história de Maria é certamente um filme, com ecos distantes e movimentos arriscados. Houve uma tragédia na corda bamba ou drama mesmo será conviver com quem não conhecemos as intenções?
Tantas perguntas vão se enganchando de um capítulo a outro nesta novela de uma das mais importantes autoras de literatura brasileira para crianças e jovens; este é o quinto título de Lygia Bojunga que escreve vivamente a narração e os diálogos com o sabor espontâneo da fala e do pensamento de seus personagens. O livro foi lançando em 1979, considerado o Ano Internacional da Criança, e nos aproxima do drama de Maria — uma menina trancada em seu próprio mundo interior, numa condição médica que mais modernamente tem sido conhecida como a Síndrome da Resignação: após um acontecimento terrível em sua vida, a criança apresenta sinais de apatia em diferentes graus de silêncio, imobilidade, desinteresse em alimentar-se e cuidar de si mesma. Contudo, o texto de La Bojunga possui delicadezas, juntamente a outros temas de ordem social e existencial, numa elegância entre a forma, a metonímia e a metáfora. Assim, algumas surpresas escondem-se nas suas frases e outras escolhas. A avó é então lida como uma onça irascível, toda vez que aparece com seus quatro nomes repetidos. E há uma cantilena motivada pelos nomes do casal, Márcia, Marcelo, a invocação sobre a vida da menina deles interrompida: o mar ia... no entanto, a vida de Maria voltará a ter fluxo, sentido, novas portas no vaivém dos espaços futuros.