Diz o dicionário, deslembrar é esquecer-se, olvidar-se, omitir a si mesmo. É um verbo transitivo direto e pronominal, mas o dicionário não diz que poderá ser um verbo triste, quando um alguém deixa de lembrar as coisas a si, diante do espelho, diante de uma coleção de retratos emoldurados numa parede, diante da vida. O tempo passa e nada mais parece estar presente para as pessoas com demência, transtornos mentais, o Mal de Alzheimer ou outras doenças associadas ao envelhecimento. O mundo pode parecer uma página, uma superfície onde as palavras de uma história foram bloqueadas intencionalmente.
Deslembrar não é não saber. É perder aquilo que se fiou e teceu em torno de relações familiares, a criança que foi, os filhos que gerou, a mão que acalentou a mulher, a mãe que ela se tornou. Dos amores, um tempo se mostra inexistente. Haveria espaços para coisas, como o filme ou livro preferido, o perfume em uma roupa, o aroma que se transporta para fora de uma xícara, uma paisagem que se desmancha pela janela de um automóvel em velocidade na estrada? Não sei, não sabemos o que é esquecer-perdendo o que estava guardado em nós.
O livro de Alexandre Rampazzo carrega a silenciosa narrativa de imagens em sequência, paralelamente à visualidade gráfica de palavras ocultas e reveladas pouco a pouco: é um paginário que faz lembrar os exercícios de escrita não-criativa, como a técnica do recorte ou cut-up sem tesoura, impondo uma leitura não linear à medida que palavras e partes de frases vão compondo uma nova mensagem a cada instante. Tal jogo traz um acúmulo de possibilidades. Talvez como a memória das coisas que não podem ser deslembradas porque ainda flutuam dentro da mente em lampejos vivos.