Em 1977, Chico Buarque visitou a terra dos contos de fadas e de encantamento com a canção João e Maria, uma valsinha com ares românticos que fala de muitas coisas, a propósito de tudo parecer uma brincadeira de criança, num quintal, no tempo do agora-eu-era-herói. No entanto, é preciso ler as dobras, o desejo de brincar = viver em liberdade, o que significa uma inesperada partida e como se proteger de uma noite que não tem mais fim... A data de um texto ou de um livro é importante para lermos a linha da narrativa e do contexto.
Na mesma época, Chico deveria estar também trabalhando nos versos de Chapeuzinho Amarelo que logo mais conquistaria, com as ilustrações de Donatella Berlendis, o selo “Altamente Recomendável” da FNLIJ, em 1979 – Ano Internacional da Criança. A história escarafuncha o medo do medo do medo que uma menina sente por um lobo que talvez nem exista: um lobo que nunca se vê deve mesmo morar do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, lembrando-nos dos contos coletados pelos irmãos Grimm. Lidando com rimas e jogos semânticos da palavra, a chapeuzinho aqui não tem nada de vivo ou vermelho, tem uma aparência pálida e encolhida, não brincava, também não falava nada pra não engasgar, sua infância amarela era uma lista de negativas à vida.
Até que, um dia, a sombra e o carão do lobo apareceu diante dela. É isso o que dá pensar, sonhar, esperar pelo lobo. Porém o inesperado acontece... De tanto berrar seu nome para provar que era uma figura para termos medo, o lobo se esvazia no eco das sílabas e vira bolo. A menina devora o próprio medo? Não, ela prefere bolo de chocolate e passa a transformar tudo o que limita a sua vontade de brincar = viver, desconstruindo a imagem, o conceito, o discurso por trás das coisas. Tantos anos já passados do lançamento do livro, agora com ilustrações do Ziraldo que dá cabelos arco-íris à menina do chapéu amarelo, quem será nosso juiz, como anda nosso juízo, quem faz as leis para a gente ser feliz?