Um livro de imagem de Angela Lago feito uma reportagem. Não é notícia de jornal, nem televisão, nem página ou vídeo de internet. É um triste retrato móvel que se repete momento a momento nas muitas esquinas de grandes centros urbanos e mesmo em cidades menores. Pode mudar a escala, a proporção, mas nunca as cores. Vermelho, amarelo, verde.
À noite, um menino, vagando entre três filas de carros, carrega no ombro uma caixa. O que vende, se é fruta ou brinquedo, nem queremos saber. Vemos nesta história, à luz do semáforo, um motorista inteiro vermelho. A vida fechada para o menino. Dentro dos automóveis, às vezes vemos cães. E há pessoas que se esticam e tomam do menino o que ele tinha para vender. Dentro dos automóveis, também há medo, agora pode ser um assalto pela fresta da janela. Dentro, outro quadro, outro mundo, um abraço de mãe, azul e dourado, como um sonho inalcançável para quem está do lado de fora. O menino.
Nesta obra de 1994, as imagens gritam em cores selvagens como metáforas emprestadas do movimento francês chamado fauvismo. No entanto, o que traz o livro não é a pureza da cor isenta de temas perturbadores como queriam os pintores do passado. Ao contrário. Angela Lago usa o impacto cromático para representar uma realidade complexa e brutal, onde a ternura e o abandono se cruzam. A arquitetura do livro e da cidade coincidem em um grande número de dobras, esquinas, meios e becos. Onde a história se conta e o menino se esconde. Um fruto vermelho fora roubado por um motorista, o menino come um fruto verde e divide com um cão faminto, perdido, o último fruto amarelo. O que ele tem agora para vender?
A trama e a reportagem continuam. É importante ver que o menino corre de rua em rua, de página em página, e... volta ao mesmo lugar. A história se repetirá. O livro denuncia a realidade e a si mesmo como uma narrativa visual circular. Tudo parte e termina e recomeça com a mesma imagem. A sensação de uma armadilha social provocou a artista mineira a não aceitar uma sequência de quadros, pacificamente. Ao ver o livro sendo impresso, pediu que se parassem as rotativas e tomou a decisão de rasgar à mão a borda das páginas, deixando visível a violência de um gesto nas imagens que ganharam a moldura de sua revolta.