Todas as galinhas se parecem iguais no quintal, mas chegando perto para ver com outros olhos, somos convidados a observar com atenção as diferenças entre uma e outra, muito embora possa se esperar que todas bibiquem o chão e saiam correndo quando um humano tenta pegá-las de repente.
Laura divide o quintal de Dona Luísa com outras aves. Lá acontece de tudo! E, com mais intensidade, são os desdobramentos por dentro de Laura, coisas que ela não conta a ninguém. Seus medos e alegrias (se sentisse!), amigo extraterrestre e conjecturas para o futuro. A galinha que mais põe ovos, é vaidosa e uma mãe atenta, mas é apressadinha, tem pescoço feio, um cheiro desagradável e é bem desajeitada, “Laura não beija ninguém. Acho que ela dá umas bicadinhas meio sem jeito em Hermany”. A típica linguagem de Clarice Lispector dedicada aos pequenos leitores. Humor, ironia e filosofia numa espécie de diálogo entre a criança que a autora foi e a criança que está lendo seu texto.
O conto de Clarice Lispector recebe as ilustrações de Odilon Moraes e como resultado temos um álbum sensível, divertido, que busca causar uma ilusão de proximidade com a escritora Por vezes, entra em cena imagens da mulher que pensou e datilografou essa história, o que concede ao livro uma força narrativa, como se Clarice estivesse ainda mais presente entre nós.
Laura faz coisas comuns às galinhas, mas é na sua vida íntima que ela se constitui única. E ser uma galinha feia, burra ou histérica não é necessariamente ruim. O bem e o mal, o feio e o belo são postos às claras para que pesemos o quanto nos cobramos, nos julgamos, o quanto sabemos de nós mesmos e o que isso se relaciona com o que apontamos nos outros. E dos outros, de fato, sabemos pouco.