Um menino passeia pelas ruas e se depara com um teatro de bonecos. Curioso, mas relutante, ele finalmente aceita o convite do artista e diverte-se com a apresentação de um boneco parecido com ele mesmo. Entretanto, a certa altura, surge o lobo — o lobo! — e na ânsia de protegê-lo, o menino agarra seu novo amigo fictício e sai em desabalada carreira. O titereiro, surpreso, corre atrás da criança.
Esta história aparentemente simples, mas repleta de sentimentos e ação, é contada sem palavras, apenas com imagens. O menino mergulha na fantasia do teatro, mas ficção e realidade se misturam quando o lobo aparece e o garoto rouba a marionete. E se o teatro é o palco da apresentação das marionetes, o livro é o palco desta história. É a narrativa dentro da narrativa. E Gabrielle Vicent se vale com maestria dos recursos de mais uma arte — o cinema — ao usar e abusar de enquadramentos e close-ups para narrar os acontecimentos com traços rápidos e pouco precisos, mas que nem por isso deixam de transmitir emoção. O leitor pode se surpreender ao encontrar recursos estéticos que provavelmente conhece do cinema ou dos desenhos animados, o que só prova que a educação do olhar e da sensibilidade transita livremente entre todas a artes.
A princípio, o teatro e o boneco funcionam como intermediários entre a criança e o adulto, e permitem que o adulto literalmente dite o desenrolar dos acontecimentos. Mas ao fugir com a marionete, o garoto subverte essa hierarquia e traz a relação para a realidade, obrigando o homem a olhar para a criança. Este encontro “real” abre espaço para a empatia, a compreensão e a alegria de uma nova amizade que surge entre duas pessoas tão distantes na idade, mas muito próximas em sua humanidade.