A guerra não tem rosto humano. Ela arrasta-se como cobra, possui tentáculos e veneno como aranha, alastra-se veloz com seu fogo destrutivo, rasga o dia, sussurra más notícias, ataca, ensurdece a sensibilidade. Arrasa-nos a todos.
Definir a guerra é uma tarefa que está além do dicionário e da enciclopédia que buscam sinônimos, uma vez que a guerra é a própria antinomia da vida. A guerra é uma ideia e, de fato, o começo de todas as guerras que enumera o livro de História. É preciso o traquejo com as palavras de um poeta como José Jorge Letria para revolcar sensações, imagens, pensamentos capazes de alimentar a consciência, despertando a memória de fotos, filmes, documentários a fim de que possamos esquecer os negócios da guerra e o que depois resta.
Nesse trabalho da arte da palavra, a narrativa visual de André Letria parte da analogia com os silenciosos seres nocivos à vida doméstica, rural ou urbana: aranhas, cobras, lacraias que invadem casas e tomam acesso aos corpos, também fazendo passar a sombra de uma ave de mau agouro como um avião. Adiante, o mundo é visto como um jogo de tabuleiro. Os diferentes elmos, chapéus, capacetes, estão dispostos numa parede única, evidência de que as histórias de guerra sempre se repetem em seus enredos — e vemos as botas, as chaminés de fundição de aço, os números incontáveis de exércitos, a imensa pilha de livros queimados, as bombas que caem do alto, em referências claras à última história de guerra da História.