Nos confins de seu pequeno mundo, um camundongo sempre viu a floresta escura e desconhecida. Fosse noite, sonhando com a floresta, acordava arrepiado de pavor. Fosse dia, logo percebia o medo estava escondido dentro de si. Quando o medo se tornou insuportável, o camundongo decidiu deixar para trás o conforto de seus sapatos moles, do livro aberto sobre a poltrona, do lugarzinho quente entre a lareira e almofadas... Virou as costas, fechou a porta, atravessou a longa curva da rua, viu as casas da cidade desaparecerem quanto mais ele ganhava a caminhada, e a estrada de pedras, após fazendas e campos, tornou-se terra.
Junto ao personagem, o leitor faz também a sua travessia numa delicada narrativa que se torna um belo exemplo de álbum ilustrado para todas as idades. As ilustrações se prestam a contar detalhadamente o caminho empreendido pelo camundongo, de casa até o coração da floresta. Por sua vez, o discurso verbal revela o que se passa em seu coração: ouvimos seus pensamentos, no tom cauteloso de quem faz uma confissão em primeira pessoa. A relação palavra e imagem está mesmo na proporcionalidade ínfima e íntima do personagem frente ao mundo à sua volta e as voltas que dará em si mesmo para descobrir seu quinhão de coragem e encantamento.
Uma importante chave de leitura está na dedicatória do livro a gentes reais e a um personagem do escritor russo Leon Tolstói, o herói do mais extenso romance Guerra e Paz, abrindo para alguns leitores a aventura intertextual. Enfim, o mundo é habitado por homens que são ratos e ratos que podem compreender tanta coisa do mundo!