Ondjaki, escritor angolano, cria uma trama a partir de fatos históricos recentes de seu país. Num cenário de bairro, é possível perceber pinceladas da rotina de um povo atravessado por guerras e embates políticos, mas tudo à base de encanto, bom humor e senso de coletividade.
Um menino deseja muito ganhar o concurso promovido pela Rádio Nacional. A criança que escrever e enviar a melhor história leva para casa uma bicicleta colorida. Como não é bom em ficção, resolve pegar uma das ideias que o tio Rui guarda dentro de uma caixa. Mas não se trata de uma caixa qualquer. É praticamente um cofre de ideias do tio Rui, todas saídas cintilantemente do bigode deste sábio senhor. O protagonista, na companhia de seus amigos Isaura e JorgeTemCalma, arma o plano para fisgar este tesouro e finalmente se inscrever no concurso que tanto deseja.
Bem, o plano não sai lá como o combinado, mas o menino consegue realizar sua inscrição e nos aponta a beleza do processo, do caminho. A busca pelo que almejamos, por si só, tem um valor imenso.
Os diálogos com tio Rui são pura filosofia, ora carregados de riso, ora de reflexão:
- Tio Rui, os silêncios afinal servem pra quê?
- Para as pessoas estarem umas com as outras.
Enquanto o país está assolado por uma guerra, cada vez mais próxima de onde vivem, as personagens pulsam vida por todos os lados, riem de si mesmas, enobrecem a natureza, a infância, a velhice e as palavras sábias, ainda que lhes falte luz. A escrita de Ondjaki é metafórica e conduzida por um profundo respeito à cultura angolana. A edição brasileira mantém a grafia e o léxico do português de Ondjaki e anexa um glossário no final das páginas para que o leitor busque compreender o que quer dizer, por exemplo: bué, cambuta, masé, petromax.
A capa e as ilustrações são do artista António Jorge Gonçalves. Para Ondjaki muitos angolanos pobres continuam andando às escuras, por isso o Gonçalves fez cada abertura de capítulo com um fundo preto (seriam estrelas ou poeira de luz?).