O sentimento de vivermos desconectados ou perdidos de nós mesmos é um dos grandes temas da literatura – desde as breves histórias para crianças a imensos romances, e não haveríamos de esquecer estes versos que abrem um soneto de Fernando Pessoa:
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
No entanto, raramente encontramos um livro que venha conversar com várias gerações e faça também as diferentes gerações conversarem sobre quem realmente são. Aqui temos um conto mágico, realista e metafísico que se inicia com a chave das ilustrações, representando fotografias presas no vinco íntimo do livro, páginas de papel quadriculado, desenhos delicados que parecem pertencer a um filme antigo com sua moldura de bordas arredondadas. Todo o movimento está congelado e parece que ouvimos uma voz que sussurra um pensamento a respeito do apressamento do mundo e das pessoas que caminham, sempre adiante, mas deixaram sua alma em outro lugar. Então... o conto começa: era uma vez um homem que trabalhava sem descanso. Um dia, acordou no quarto de um hotel de uma cidade que não conhecia, em meio a uma viagem que não sabia o propósito. Este homem não era capaz nem mesmo de lembrar o seu nome.
Este é um livro sem idade, onde a palavra cala e a imagem passa a narrar. Há uma intersecção de espaços, memórias, acontecimentos que levam o leitor a desdobrar o tempo em sua tríplice face: a infância, o presente perdido e o reencontro. A alma voltará ao homem, tenha essa certeza, enquanto você percorre o caminho de solidão e suavidades existenciais.