Sair da terra-mãe para outro lugar pode ser um ato planejado, sonhado, calculado, isto é, um projeto de vida, um novo curso, a primeira vez sozinho no mundo para dar um salto na carreira profissional ou acompanhar a família no aprendizado de um novo idioma. Sair da terra-mãe para mergulhar em outro país pode ser tanta coisa! Lançar-se à vida com olhar de estranhamento, de dentro e de fora, dos olhos dos outros.
Migrar também pode ser um acaso, um sopro de vida, a boia de salvação em alto mar, a pulsão de vida clamando, a fuga, o apartar abrupto dos amores, a mão que socorre do pânico. Sentimos, de repente, a última cartada, o tudo ou nada, o desespero em looping, o afogamento, até mesmo o tornar-se presa de uma gaiola humana, como a proposta de um ex-presidente americano que ordenou não só prender imigrantes ilegais, como separá-los de suas crianças. Enjaular as crianças!
Cada pessoa, ao ver-se em terra alheia, há de enfrentar medos e surpresas. E a artista argentina Mariana Chiesa Mateos empresta seu repertório de vida para criar duas narrativas visuais que ilustram diversas maneiras de ser migrante no mundo. São duas entradas em um mesmo livro que se propõe evidenciar diferentes olhares que nutrimos em relação às pessoas que migram. Em uma das capas, já vemos um céu tomado por pássaros de asas verdes com cabeças humanas, sobrevoando uma paisagem de árvores e ramos novos; ao virarmos o livro, encontramos, na outra capa que nos convida à leitura, os mesmos pássaros ao longe e, abaixo deles, três pequenas embarcações com muita gente indo adiante em um mar que se mostra desde os bancos de corais, onde um cardume parece realmente buscar refúgio frente a letais águas vivas...
Entre o silêncio e a imagem que grita, a autora desperta os sentimentos que nos torna humanos mais empáticos: medo, saudade, amor, compaixão, raiva, esperança. É um livro sensível que pede tempo e releituras, uma publicação que as crianças podem ler no aconchego de casa ou no espaço de discussões que é a escola.